A classe média negra já não é um sonho e não pára de crescer

O número de negros sul-africanos classificados como classe média subiu de 1,7 milhões em 2004 para 4,2 milhões em 2012. “A insatisfação cresce quando as pessoas são deixadas ficar para trás”.

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Ntombi Shabalala: "Se eu consegui, qualquer pessoa consegue" Nadine Hutton/Bloomberg News

Ntombi Shabalala chega ao centro comercial Design Quarter situado num subúrbio de classe média no seu Hyundai ix35, vestindo umas calças vermelhas, casaco e botas pretas. Gesticula para um empregado, mostrando as suas unhas cuidadas e coloridas, e pede um sumo de cenoura natural.

O caminho que Shabalala percorreu de 1998 até aqui foi longo, desde que se mudou para Joanesburgo quatro anos depois das primeiras eleições multirraciais da África do Sul. Na altura partilhava um T1 em Hillbrow, numa zona fustigada pelo crime e sujeita a cortes frequentes de água e electricidade. As suas duas filhas ficaram em casa, na vila mineira de Newcastle, com uma tia.

Ntombi Shabalala ganhava dinheiro a vender comida de rua numa roulote – um começo premonitório para alguém que se tornou gerente de lojas da divisão sul-africana da McDonald’s.

“Agora posso aspirar à boa vida, posso ir na direcção certa, investir no futuro”, diz Shabalala, 39 anos, “Graças ao meu trabalho saí de lado nenhum para poder ser a mulher que sou hoje”.

Shabalala faz parte de uma classe média negra da África do Sul em crescimento, 4,2 milhões de pessoas no ano passado e o dobro do que era em 2004, segundo um estudo divulgado pelo Instituto Unilever de Marketing Estratégico da Universidade da Cidade do Cabo no dia 8 de Maio. O país agora tem mais negros de classe média do que brancos, e o primeiro grupo gasta mais do que o segundo.

Deixar os campos pelos subúrbios
Os negros que estão a sair da pobreza têm vindo a deixar os campos e os bairros da lata para se mudarem para os subúrbios que antes eram exclusivos dos brancos. E contribuem cada vez mais para aumentar os rendimentos das empresas, como os concessionários automóveis ou os supermercados, por exemplo.

Desde 1994, o PIB per capita na África do Sul aumentou 40%, o acesso à energia eléctrica subiu de 50% para mais de 80% da população e mais de três milhões de casas foram construídas, anunciou o ministro das Finanças, Pravin Gordhan, no passado dia 21 de Maio.

De uma população de 53 milhões, o número de negros sul-africanos classificados como classe média subiu de 1,7 milhões em 2004 para 4,2 milhões em 2012. Para ser classificada como classe média, uma pessoa tem que cumprir pelo menos dois critérios. E estes incluem ter um rendimento do agregado familiar entre 15 mil (1200 euros) e 50 mil rands, ter um carro, ter um emprego de colarinho branco e ter uma casa comprada ou alugado por mais de quatro mil rands (300 euros) por mês numa cidade ou numa vila.

A classe media é visível em Sandton City, em Joanesburgo, o maior centro comercial do hemisfério sul, onde consumidoras de saltos altos carregam sacos da Forever New e do Young Designer’s Emporium, jovens mães passeiam os bebés em carrinhos da marca Bugaboo e jovens negros de calças justas experimentos sapatos italianos.

“Temos que ser melhores do que os nossos pais e os nossos avós”, diz Zanele Motaung, de 24 anos, que trabalha no departamento de contabilidade da companhia eléctrica Eskom Holdings SOC e que está ali a experimentar roupa num outlet da Truworths International.

Enquanto fala, a sua irmã mais nova, Mpho espreita o iPhone enquanto paga por uns sapatos que acabou de comprar. Zanele, que se mudou da vila rural de Standerton para Joanesburgo em 2007, conseguiu licenciar-se com a ajuda de uma bolsa da Eskom. Mpho está a estudar contabilidade na universidade de Joanesburgo.

Embora a classe média esteja a crescer, a taxa de 25,2% de desemprego é a mais alta entre um conjunto de 30 economias de mercado emergentes analisadas pela Bloomberg. A desigualdade de rendimentos alargou-se desde 1994, com 35% da população a viver com menos de 39 euros por mês. O índice Gini, uma medida de desigualdade em que o zero significa que a sociedade é completamente igual, piorou para 0,63 em 2009, comparada com 0,59 em 1993, segundo dados do Banco Mundial.

A África do Sul registou um número recorde de protestos por parte de residentes dos bairros de lata no ano passado por causa de falta de alojamento e maus servições básicos, segundo o Municipal IQ, um instituto de pesquisa de Joanesburgo.

“Uma classe média bem sucedida significa mais estabilidade, crescimento económico e menos riscos socio-políticos”, explica Elna Moolman, uma economista do Macquarie Group de Joanesburgo. “A insatisfação cresce quando as pessoas são deixadas ficar para trás”.

Com o crescimento da classe média sul-africana chegaram ao país gigantes como a Zara, a Topshop ou a Wal-Mart (que comprou a Massmart há dois anos). A Burger King abriu o seu primeiro restaurante no dia 9 de Maio na Cidade do Cabo. A McDonalds está na África do Sul desde 1995.

“Para uma economia sobreviver precisa de uma classe média forte e na África do Sul essa classe está crescer, tem cada vez mais dinheiro e está disposta a gastá-lo”, diz Jaye Sinclair, director executivo da Burger King South Africa. “A classe média vai ser a salvação da África do Sul, não as exportações.”

Foi a McDonald’s que abriu caminho a Ntombi Shabalala para subir na vida. Depois de ter sido contratada em 1998, recebeu formação para preparar comida e manter os balcões da cozinha sempre limpos. Recebia 368 rand (pouco mais do que 28 euros) de duas em duas semanas e nos dias de folga passava pelo restaurante para comer uma refeição grátis. No espaço de cinco anos, foi promovida três vezes, quadriplicou o seu salário, abriu uma conta-poupança e comprou o seu primeiro carro.

Hoje, Shabalala é dona de duas casas em Cosmo City, noroeste de Joanesburgo, um delas a de dois andares onde vive. A outra, onde antes tinha vivido, foi alargada, foi paga ao banco e está arrendada por dez mil rand (765 euros) por mês.

Shabalala e o seu marido, professor, ganham 36 mil rand (2750 euros) por mês nos seus empregos a tempo inteiro. Ela ainda não sente que isso baste e tenciona comprar uma concessão de um McDonald’s nos próximos cinco anos. As filhas juntaram-se a ela em Joanesburgo em 2004. A mais velha, agora com 21 anos, trabalha num call center e a outra, de 17, está a estudar. Tem mais duas filhas, uma de 14 meses e uma de oito anos.
“Sinto-me motivada pelas minhas filhas”, diz Shabalala, “Não quero que elas cresçam como eu. Havia muita pobreza onde eu cresci. Se eu consegui chegar até aqui, qualquer pessoa consegue.”
Sorri, levanta-se da mesa e pega na mala. Tem sessão marcada com o seu personal trainer num ginásio ali ao pé.
 
Exclusivo PÚBLICO/Bloomberg News

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