Especialistas em bioética rejeitam artigo que defende morte de recém-nascidos

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Há várias perspectivas para o conceito de pessoa Fernando veludo (arquivo)

Especialistas portugueses dizem que a teoria que defende a permissão de se matar um recém-nascido nos casos em que a legislação também permite o aborto “não tem pés nem cabeça”. A ideia, apresentada num artigo científico publicado pelo Journal of Medical Ethics, “abriria a porta” à eliminação de pessoas, defendem.

O presidente da comissão de ética para as ciências da vida, Miguel Oliveira e Silva, considera que o artigo em causa “não tem pés nem cabeça” e que “não há visões filosóficas que permitam sustentar essa tese”. O especialista em Bioética Rui Nunes declara-se “radicalmente contra” a tese agora publicada e adianta que “não traz nada de novo”, além do facto de ser sustentada por cientistas numa revista científica de referência.

“É uma discussão muito antiga no seio da bioética e uma atitude que as sociedades portuguesas não devem aceitar”, defende o presidente da associação portuguesa de bioética, que rejeita esta tese por “questões de princípio mas também por questões de consequencialismo”. De princípio porque durante a gravidez existe uma “colisão de direitos” entre a mãe e o feto; e de consequencialismo, porque uma decisão deste tipo faria com que “a eliminação” fosse possível e alargada a pessoas com deficiências ou demências.

O especialista explica que há várias perspectivas para o conceito de pessoa e não se pode ter em conta apenas a perspectiva filosófica. “Se tivermos apenas como referencial o conceito filosófico, muitos seres humanos não encaixam, não são pessoas em sentido filosófico”, diz, dando como exemplo o caso das pessoas em coma.

Rui Nunes refere que o critério único da filosofia “abriria a porta” ao infanticídio e a “outras práticas equiparáveis”, do ponto de vista filosófico. O professor de bioética afirma que não haveria barreira para “eliminar, como faziam os nazis, as pessoas com demências”, por exemplo: “Não haveria restrição possível”. Rui Nunes explica ainda que existem várias diferenças entre o feto e o recém-nascido, estando este último num “patamar ético, filosófico e jurídico” distinto.

O artigo em causa (http://jme.bmj.com/content/early/2012/02/22/medethics-2011-100411.full) intitula-se “After-birth abortion: why should the baby live?” (“Aborto pós-parto: por que deve o bebé viver?”) e está publicado numa revista que pertence ao grupo British Medical Journal. A autora do texto controverso é Francesca Minerva, formada em Filosofia pela Universidade de Pisa (Itália) com uma dissertação em Bioética, doutorada pela Universidade de Bolonha e investigadora da Universidade de Oxford, em Inglaterra. A cientista defende o “aborto pós-nascimento” para todos os casos em que o aborto também é permitido, referindo que o recém-nascido não é uma pessoa e equiparando-o ao feto.

A tese de infanticídio é partilhada pelo co-autor do artigo, Alberto Giubilini, e baseia-se em três princípios: “o feto e o recém-nascido não têm o mesmo estatuto moral que as pessoas”, “ambos são pessoas em potência é moralmente irrelevante” e “a adopção não é sempre no melhor interesse das pessoas”. Por todas estas razões, os autores defendem que se possa matar um recém-nascido, incluindo nos casos em que o bebé é saudável. O artigo refere que isto se poderia aplicar aos casos em que “a mulher perde o seu parceiro depois de descobrir que está grávida, sentindo que não será capaz de tomar conta da criança sozinha”.

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