Aumentam casos de idosos que morrem sozinhos em casa

Dois meses depois de ter morrido, o seu corpo, já em putrefacção, foi encontrado no apartamento onde vivia, em Campo de Ourique, no centro de Lisboa. Era uma mulher com pouco mais de 50 anos, arquitecta, que vivia só e não estava doente. No seu prédio há quatro apartamentos em cada um dos sete andares, mas, apesar do movimento, só dois meses depois da morte é que o cadáver da mulher foi descoberto.

Este é um dos muitos casos de pessoas que vivem sós em Lisboa e que são encontradas mortas em casa, muito tempo depois de terem morrido, diz Elisabete Costa, socióloga e presidente da associação Limiar - Associação de Cooperação e Desenvolvimento, que dá apoio a pessoas isoladas e dependentes, a maioria idosos. "A indiferença mata", diz. "A situação é muito preocupante e as coisas estão a piorar."

A criação de uma rede de solidariedade de vizinhança é, na opinião de Elisabete Costa, cada vez mais importante numa cidade cuja população está cada vez mais envelhecida e em que se tornam mais frequentes os casos de isolamento e de abandono.

A criação de uma rede de vizinhança nos bairros de Lisboa é, aliás, um dos objectivos do projecto que já enviou para a Câmara de Lisboa, realizado em colaboração com a Escola de Enfermagem da Fundação Calouste Gulbenkian para apoiar, sobretudo, idosos com doenças incapacitantes como as demências.

Há precisamente um ano, só num dia de Janeiro de 2010, a PSP foi chamada várias vezes, na sequência da descoberta de idosos mortos em vários locais de Lisboa: em Benfica, onde um homem de 75 anos e um homem de 76 apareceram mortos no apartamento onde viviam junto do Centro Comercial Colombo; em Alfama, onde uma mulher de 53 anos apareceu morta no quarto de um apartamento arrendado pela Santa Casa da Misericórdia; em Massamá, onde o cadáver de um homem de 61 anos foi descoberto na casa em que vivia sozinho; na Avenida dos Estados Unidos da América, onde um homem de 66 anos, sem família, foi encontrado morto na casa onde vivia com um amigo.

Na altura, a subcomissária da PSP, Carla Sofia, sublinhou que esta situação era invulgar. A verdadeira dimensão do problema permanece, contudo, desconhecida. Embora Elisabete Costa assegure que aumentam as situações de idosos isolados que acabam por morrer sozinhos e sem assistência em Lisboa, nem a PSP, nem o INEM, nem os bombeiros, nem o Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), que são chamados e registam este tipo de ocorrências, possuem dados estatísticos sobre estas situações.

O presidente do Instituto Nacional de Medicina Legal, Duarte Nuno Vieira, disse ao PÚBLICO que não existem números sobre estes casos e esclareceu que "só quando há suspeita de crime é que o Ministério Público ordena a autópsia" e apenas nesses casos os cadáveres são encaminhados para o instituto. Na "maior parte" dos casos não há suspeita de crime e as autópsias são dispensadas.

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