A crise dos refugiados e o recente acordo Turquia-UE

A Turquia e a UE partilham dos mesmos objectivos e o mesmo destino. Definitivamente temos de unir as nossas forças em prol da paz, estabilidade e prosperidade global.

Esta segunda-feira foi o primeiro dia da implementação do acordo Turquia-UE para prevenir o tráfico humano e travar a migração irregular da Turquia para a União Europeia, assinado na Cimeira de 18 de Março de 2016.

Assim, todos os novos migrantes irregulares chegados à Grécia vindos da Turquia desde 20 de Março, estão a ser reenviados para este país, e em troca de cada sírio reenviado outro proveniente da Turquia é reinstalado na UE.

Os primeiros grupos de migrantes oriundos da Grécia chegaram ao porto de Dikili (Izmir) em navios turcos e foi feita em simultâneo a relocalização do primeiro grupo de sírios para a Alemanha, Finlândia e Holanda.

Estatísticas recentes do ACNUR revelam um declínio significativo nas chegadas de migrantes irregulares às ilhas gregas a partir do final de Março, demonstrando que os nossos esforços conjuntos e determinação política estão já a ter resultado.

Muito tem sido dito e escrito antes e depois da conclusão deste acordo, na sua maior parte, lamentavelmente, baseado na desinformação, na interpretação parcial e numa percepção preconceituosa. De facto, algumas opiniões têm sido claramente ofensivas e até mesmo insultuosas.

É por isto, que gostaria de colocar a questão na sua perspectiva adequada:

Primeiramente, gostaria de relembrar um pouco, o início. Foi somente após o afluxo maciço de refugiados, a baterem à porta da União Europeia, e as imagens dolorosas do corpo de um menino sem vida, arrastado pelo mar, que a Europa acordou, no final do verão passado, para as dimensões avassaladoras da tragédia humanitária dos últimos cinco anos, ao passo que a Turquia, desde o início da crise em 2011, abriu as portas a todos os que fugiram da brutalidade na Síria, sem fazer qualquer distinção étnica ou religiosa e mobilizando todos os meios ao seu alcance. Actualmente a Turquia acolhe o maior número de refugiados no mundo. Cerca de 2,7 milhões de sírios e 300 mil iraquianos estão agora a residir na Turquia. Isto representa mais do que a população de 7 países membros da UE.

Apesar deste enorme fardo, que carregamos sozinhos, não deixámos de responder em total solidariedade ao apelo da União Europeia, à qual a Turquia aspira aderir como país Europeu, partilhando os mesmos valores e princípios. Foi assim a pedido da UE, e de boa-fé, que fizemos uma proposta construtiva e fora do comum, recebida como uma iniciativa ousada e aproveitada pela União como uma oportunidade importante para abordar conjuntamente os enormes desafios colocados pela crise dos refugiados.

À luz de tudo isto, é profundamente angustiante de ver que a abordagem de cooperação da Turquia continua a ser mal entendida por aqueles que se opõem a este acordo e ao aprofundamento das relações Turquia-UE. É também extremamente desanimador que tão pouco crédito seja dado à Turquia por tudo o que tem feito pelos sírios fugindo à guerra, à morte e à perseguição no seu país, enquanto a maior parte da Europa, infelizmente, permanece ambígua quanto ao problema.

Na imprensa, a ideia transmitida é a de que a Turquia saiu deste acordo com uma espécie de grande prémio. Um olhar mais atento revelará que não é o caso.

Em primeiro lugar, no que diz respeito à “Refugee Facility” (ajuda financeira) para os refugiados, gostaria de salientar que não é um subsídio para a Turquia. É um recurso a ser utilizado, em cooperação com a UE, unicamente em projectos concretos para responder às necessidades dos sírios na Turquia. Os primeiros projectos a serem financiados por este mecanismo, destinam-se particularmente às áreas da saúde, educação, infra-estruturas, alimentação e outras despesas de subsistência dos sírios sob protecção temporária. O que está aqui em jogo não é o dinheiro nem a quantia. Trata-se de prover as necessidades mais básicas e uma vida humanamente digna para povos que desafiaram todas as probabilidades para fugir do tremendo sofrimento nos seus próprios países. Basta dizer que o meu país já gastou, só do seu próprio orçamento, cerca de 10 mil milhões de dólares em 26 centros de abrigo temporário construídos para os sírios, incluindo alimentação e cuidados de saúde, e perto de 25 mil milhões de dólares com os que estão espalhados por todo o país. Estas despesas não foram feitas na expectativa de serem de algum modo recuperadas. Vamos continuar a dar o nosso melhor para proteger e ajudar estas pessoas em grande necessidade. No entanto, os nossos melhores esforços não absolvem os outros da sua enorme responsabilidade moral. Há uma inegável necessidade de partilha real da responsabilidade, para resolver de forma justa esta catástrofe humanitária de proporções sem precedentes, e é para isto que a “Refugee Facility” (ajuda financeira) pretende destinar-se.

Em segundo lugar, a decisão de redinamizar o processo de adesão foi tomada há meses. A Turquia é país candidato em negociação desde 2005, portanto, nesse processo negocial nada é mais natural do que a decisão de abrir novos capítulos. O que não é normal é que, enquanto o processo de negociação é algo meramente técnico, a Turquia, por razões políticas, tenha sido impedida de negociar cerca de metade dos capítulos. Por conseguinte, a decisão de abrir um novo capítulo não é uma moeda de troca, mas tão só uma etapa do percurso natural do processo de adesão.

Uma outra falácia tem a ver com o processo de liberalização de vistos para os cidadãos turcos. Tal foi apresentado à opinião pública europeia como algo novo, mas para aqueles que seguem de perto as relações Turquia-UE não é uma novidade. Efectivamente, em 16 de Dezembro de 2013 a UE iniciou com a Turquia, o Diálogo sobre a Liberalização de Vistos, em paralelo com a assinatura do Acordo de Readmissão UE-Turquia. Os dois estão intrinsecamente ligados desde o início. Assim, um não existirá sem o outro. Este diálogo baseia-se no roteiro (Road Map) para um regime de isenção de vistos com a Turquia, um documento que estabelece os requisitos que a Turquia tem de cumprir. A Turquia já cumpriu cerca de metade desses critérios. Em 18 de Março, os líderes turco e da UE limitaram-se a acelerar este processo já em curso, no pressuposto que os restantes parâmetros serão também cumpridos.

Em última análise, a UE confrontada talvez com a sua maior crise existencial desde a sua criação, procurou a ajuda de um país candidato que ela manteve no limbo tanto quanto nos podemos lembrar. E a Turquia respondeu.

Ao contrário do alegado nas críticas injustas, o prémio deste acordo é a prova de que a Turquia e a UE quando confrontadas com grandes desafios comuns, podem em conjunto alcançar o bem-estar do nosso continente através de uma cooperação estratégica visionária. Demonstrou que não se pode conceber um futuro para a Turquia sem a UE, nem imaginar um futuro da União sem a Turquia como membro. Mas mais importante ainda, é também o testemunho de que a nossa humanidade e moralidade comuns passaram no teste.

A Turquia e a UE partilham dos mesmos objectivos e o mesmo destino. Definitivamente temos de unir as nossas forças em prol da paz, estabilidade e prosperidade global. É com este entendimento que, resolutamente, continuaremos o nosso processo de adesão à UE e apreciamos o apoio constante de Portugal, desde o início, e ao longo de todo este percurso.

Embaixadora da Turquia

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