Os jogos políticos de Vladimir Putin

O mais recente termo de comparação que todos têm em mente — os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 — é ingrato para o Presidente russo. Os Jogos de Inverno não têm a projecção dos de Verão.

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Que dividendos políticos pretende a Rússia retirar dos Jogos de Inverno de Sochi?

Vladimir Putin qualificou-os como “o maior acontecimento da era pós-soviética”. Isto dá a dimensão da sua aposta. Em 2007, quando fez triunfar a candidatura de Sochi, prometeu que a Rússia seria capaz de impressionar o mundo ao organizar uma grande festa desportiva, ao construir infraestruturas e ao acolher convidados do planeta inteiro. Explicou aos russos: “Posso garantir, com absoluta certeza, que se não tivéssemos podido restaurar a nossa integridade territorial, se não tivéssemos feito cessar as desordens no Cáucaso, se não tivéssemos conseguido reerguer a nossa economia e [resolvido] os problemas sociais, não teria havido Jogos Olímpicos.” 
 
A projeccão da Rússia
Os grandes eventos desportivos podem ser um instrumento de legitimação e de projecção de um regime ou de um Estado. Não é uma originalidade russa, basta folhear a história dos Jogos Olímpicos — sem esquecer os antigos gregos. A simples escolha de uma candidatura tem muitas vezes um significado geopolítico. Sochi deve reforçar o consenso em torno da nação e do regime e, ao mesmo tempo, projectar uma nova imagem da Rússia na arena internacional. 
O mais recente termo de comparação que todos têm em mente — os Jogos Olímpicos de Pequim em 2008 — é ingrato para o Presidente russo. Os Jogos de Inverno não têm a projecção dos de Verão. A China fez uma notável demonstração do seu novo estatuto no mundo. Teorizou os Jogos como uma forma de “poder suave” — o soft power, de Joseph Nye. Pequim ganhou a aposta. Para Putin será mais difícil, mesmo sem fiascos. Diz a analista russa Maria Lipman que Sochi não tem condições para mudar a imagem da Rússia no mundo.
“Putin está nervoso”, diz outro analista russo. As desmedidas ambições implicam riscos altos. Tem de mostrar que os investimentos “faraónicos” feitos em Sochi se traduzirão numa imagem de competência. Os críticos do Kremlin falam de Sochi como um monumental caso de corrupção. Há menos dúvidas quanto ao êxito do dispositivo de segurança. Em contrapartida, a lista dos dirigentes mundiais presentes na abertura deixa muito a desejar. 
Também a situação político-económica mudou. Em 2007, Putin recolhia o apoio de 80% russos e a economia crescia a uma taxa anual de 7 ou 8%. Hoje, a indiferença é muito grande e a economia tende a estagnar. A dimensão da aposta mascara fraquezas fundamentais. Por isso é útil lisonjear o nacionalismo russo. A mensagem de Putin traduz-se numa frase: “A Rússia está de volta.”
Moscovo acaba de marcar pontos em várias frentes diplomáticas. Fez uma jogada brilhante na Síria e pôs em xeque, na Ucrânia e na Arménia, a Parceria Oriental da União Europeia. Na Ucrânia, está envolvida no braço-de-ferro com as potências ocidentais. Durante os Jogos, haverá a natural “trégua olímpica”, outra herança grega. Aliás, a “trégua” foi precedida pelas libertação do antigo oligarca Mikhail Khodorkovski e das meninas do Pussy Riot. Putin tentará atenuar as tensões, dentro e fora da Rússia. E “depois da trégua”?
 
Uma questão europeia
Putin — diz-se — sofre da “síndrome de Pedro, o Grande”. Este construiu São Petersburgo para abrir a Rússia ao Ocidente. “Putin visa, mais modestamente, consolidar o seu poder, criando a partir do nada estes Jogos que são um desafio ao clima, à geografia e até à geopolítica, tendo em conta a proximidade de Sochi das sedes do terrorismo nesta parte do mundo”, escreve o francês Dominique Moïsi. A diferença é que, se Pedro olhava para a Europa, Putin olha para a Eurásia.
“Putin está convicto de que a Rússia faz parte da Eurásia”, sublinha Serguei Aleksachenko, um antigo vice-ministro russo. “Em contraste, a maioria dos políticos europeus consideram a Rússia parte da Europa. (...) Quanto mais a Rússia e a Europa diferem nos seus valores, mais provável é o conflito.” 
A força de Putin decorre sobretudo da fraqueza dos ocidentais, anota o analista russo Alexander Goltz. A Rússia de Putin tem um desígnio estratégico bem definido e firme: incluir os países da ex-União Soviética numa união aduaneira que poderia desembocar numa “União Euroasiática”, que faria da Rússia a grande potência euroasiática, pesando decisivamente no coração do Continente europeu. A demonstração de Sochi — “A Rússia está de volta” — visa em grande parte influenciar esses países de fronteira. 
Por isso, os Jogos de Inverno de Sochi são também, à sua maneira, “jogos europeus”.
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