Entre mitos, preconceitos e ideias feitas, por vezes a discussão sobre a imigração é tida
sem números. Afinal, o que sabemos (mas também o que não sabemos) sobre os imigrantes em
território nacional?
Em Portugal, no ano de 2023, viviam 10.639.726 pessoas. Cada representa sensivelmente 4.000 residentes.
Destas, cerca de 1.040.000 (à volta de 9,8%) eram imigrantes e 9.599.726 tinham nascido em Portugal.
O número de imigrantes tem vindo a subir nos últimos anos e os dados provisórios da AIMA apontam para um novo recorde: há mais de 1 milhão de estrangeiros residentes em Portugal.
Uma tendência que se observa um pouco por toda a OCDE. Em 10 anos, o peso relativo dos imigrantes face à população residente aumentou em 25 dos 28 países analisados.
Portugal é o 10.º país em que o peso da imigração mais amentou face ao valor de 2012. Se, nessa altura, os dados da OCDE diziam que 4,1% da população portuguesa era estrangeira, esse valor era, em 2022, de 6,8% (ou seja, uma variação de mais 2,7 pontos percentuais (p.p)).
A família é o motivo apontado mais vezes pelos imigrantes para virem para Portugal. Seguem-se motivos profissionais (mais preponderantes entre homens do que entre mulheres) e a violação de Direitos Humanos no país de origem.
Mas nem sempre o país foi assim. Se, até ao início do século, o país era um país de emigrantes, hoje recebe mais pessoas do que aquelas que emigram. A única excepção a esta regra neste século? Os anos da troika.
Uma mudança que traz desafios. Tomemos o caso da nossa rede consular. É praticamente um decalque dos países para os quais os portugueses tipicamente emigram.
No entanto, quando se trata de imigração, já há um conjunto alargado de países que têm uma presença significativa de imigrantes em Portugal e que, ainda assim, não dispõem de uma representação na rede consular portuguesa.
A título de exemplo: estima-se que vivam em Portugal 22.630 imigrantes moldavos. No entanto, não existe qualquer consulado português no país.
Entre aqueles que escolheram emigrar, apenas 1% emigrou para um país onde não há um consulado português. Já no que toca aos imigrantes, 5% vieram de países sem presença consular.
De acordo com os mesmos dados do KNOMAD (Global Knowledge Partnership on Migration and Development), estas eram as 15 nacionalidades que mais imigraram para Portugal. Destes, cinco são países de língua oficial portuguesa.
Mas quando cruzamos algumas variáveis, um padrão parece emergir nos números: migrar tende a ser em busca de algo melhor, quer para os portugueses, quer para os que escolhem Portugal como país para viver. Olhemos para o gráfico:
Aqui temos o número de imigrantes de determinada nacionalidade que vieram para Portugal em relação ao número de portugueses que decidiram migrar para determinado país.
Como temos um aglomerado de pontos no canto do gráfico, usamos a escala logarítmica para espalhar mais os pontos e facilitar a visualização. O tamanho de cada círculo passa a representar o PIB per capita do país em causa. Mudamos também a cor: os países com mais emigrantes do que imigrantes estão a azul, enquanto os países com mais imigrantes do que emigrantes estão a rosa.
E assim um padrão parece emergir: Portugal recebe mais pessoas do que aquelas que emigram para países mais pobres, mas o mesmo acontece com Portugal, que tende a emigrar mais do que a receber de países mais pobres.
De acordo com os últimos censos, os trabalhos não qualificados lideram as áreas em que esta imigração trabalha. Quase 10% trabalhava na limpeza.
E o que não sabemos?
Quando o tema é imigração, a estatística nem sempre mostra tudo. Principalmente porque há falhas identificadas pelos especialistas.
Há, muitas vezes, uma confusão entre imigrantes e estrangeiros. “As migrações têm dois tipos de dados: fluxo (quem entra e quem sai) e stock (população imigrante acumulada). A nossa população imigrante é muito mais vasta e tem uma composição diferente da estrangeira porque há muitos imigrantes que, ao fim de algum tempo, se naturalizam”, diz Rui Pena Pires, sociólogo.
“Há muita informação que já existe, só não está acessível”, diz Catarina Reis Oliveira, ex-directora do Observatório das Migrações e docente do ISCSP. Algumas instituições públicas, como as finanças, continuam sem partilhar os dados que recolhem com quem investiga este tema.
Falta informação por país de nascimento. Catarina Reis Oliveira explica: “Seria mais rigoroso não considerar apenas a nacionalidade, mas perceber que as migrações e a integração são um processo dinâmico. As pessoas não são estáticas naquela imagem da nacionalidade.”
“Há tipificações distintas, em função do título de residência que a pessoa tem (se é de residência para estudo ou trabalho, entre outros). Mas nas diferentes bases de dados não temos esta afinação da informação”, aponta Catarina Reis Oliveira.
Falta sensibilização para que as instituições não mantenham dados trancados porque essa informação pode ser útil para combater narrativas populistas que existem em torno da imigração. “Cada vez mais precisamos de factos, não só para desconstruir percepções, mas também para não alimentar falsas ideias sobre a imigração”, diz a directora do Observatório das Migrações.
Os dados dos Censos, divulgados de 10 em 10 anos, não chegam, principalmente nas questões de emprego. O professor de Geografia Humana Jorge Malheiros diz que há necessidade de “informação mais actualizada” porque “a questão do desemprego é conjuntural”.
Há défice de informação no que toca à qualidade e acesso à habitação, tanto de imigrantes como de cidadãos nascidos em Portugal, porque esses indicadores “avaliam-se sempre por comparação”, explica Jorge Malheiros.
Faltam dados sobre as trajectórias individuais.“Dizemos muito que os estrangeiros têm níveis de instrução altos, mas depois trabalham numa actividade que exige uma qualificação bastante mais baixa”, nota Jorge Malheiros. “Um médico ou uma médica” nessa situação consegue ter um percurso de subida? Quanto tempo demora?
Apesar de o Inquérito às Condições de Vida, Origens e Trajectórias do INE ter dado algumas “luzes” sobre as trajectórias geracionais dos imigrantes, não chega. Jorge Malheiros dá um exemplo: os jovens afrodescendentes têm trajectórias profissionais mais desvantajosas do que as dos outros jovens de outros grupos?
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