Câmara de Lisboa alvo de buscas em inquérito que envolve Medina e Salgado

Actual ministro das Finanças era à data dos factos em investigação presidente do município. Em causa está contratação, entre 2015 e 2017, de um histórico do PS, Joaquim Morão, como consultor.

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Fernando Medina é actualmente ministro das Finanças Rui Gaudencio

A Câmara Municipal de Lisboa (CML) foi esta terça-feira alvo de buscas no âmbito de um inquérito que envolve Fernando Medina, o actual ministro das Finanças, que na altura dos factos em investigação era presidente da autarquia, e o seu então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado.

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A Câmara Municipal de Lisboa (CML) foi esta terça-feira alvo de buscas no âmbito de um inquérito que envolve Fernando Medina, o actual ministro das Finanças, que na altura dos factos em investigação era presidente da autarquia, e o seu então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado.

A notícia foi avançada pela TVI e confirmada pelo PÚBLICO, que apurou que as buscas foram realizadas pela Unidade Nacional de Combate à Corrupção, no âmbito de um inquérito aberto há vários anos e que corre no Departamento de Investigação e Acção Penal Regional de Lisboa.

Em causa está um caso que o PÚBLICO denunciou em 2018 relativo à contratação pela Câmara de Lisboa, entre 2015 e 2017, dos serviços de consultadoria de um histórico do PS, Joaquim Morão, na altura conhecido como autarca modelo, que presidiu às câmaras de Idanha-a-Nova e Castelo Branco.

O primeiro contrato, de seis meses, foi assinado em Junho de 2015 com a empresa JLD – Consultoria Unipessoal, Lda, de Joaquim Morão, para que este desse apoio técnico na gestão de projectos e na construção de infra-estruturas municipais. A Câmara de Lisboa pagou-lhe 22.550 euros mais IVA, ou seja, 3750 euros mensais. A empresa tinha sido criada a 20 de Abril desse ano com o nome Joaquim Morão – Consultoria Unipessoal, Lda, mas em final de Maio, pouco antes da assinatura do contrato, o nome da firma muda para uma discreta JLD – Consultoria Unipessoal, Lda.

Assinado em Março de 2016 e com uma duração de 17 meses, o segundo contrato já previa um pagamento de 73.788 euros mais IVA, ou seja, 4340 euros mensais. Para justificar a diferença, a proposta da câmara argumentava que o trabalho em curso exigia “um nível de acompanhamento, afectação e coordenação substancialmente superior ao que foi objecto do contrato de avença” anterior.

Os processos de contratação foram conduzidos pela então directora municipal de Projecto e Obras, Helena Bicho, e aprovados pelo então vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, que assinou os dois documentos em representação da autarquia.

Curioso é que nos últimos mandatos de Morão como presidente da Câmara de Castelo Branco, esta autarquia tenha celebrado vários contratos para a elaboração de projectos, no valor global de algumas centenas de milhares de euros, com o atelier de arquitectura fundado por Salgado, o Risco, cujas quotas este vendeu ao filho e à ex-mulher antes de entrar para a câmara lisboeta.

Antes de contratar a empresa de Morão, a Câmara de Lisboa, liderada por Medina, convidou três empresas para apresentarem propostas relativamente a serviços de consultadoria, duas das quais não responderam. Ambas eram detidas pela mesma pessoa, um empresário de Castelo Branco, António Realinho, amigo de Morão. Realinho estava na altura pronunciado e a ser julgado por burla e falsificação, crimes pelos quais veio a ser condenado a quatro anos e meio de prisão efectiva. O empresário cumpriu uma parte da pena, tendo sido libertado devido ao perdão de que beneficiaram alguns milhares de reclusos devido à pandemia de covid-19.

Na investigação levada a cabo pelo jornalista José António Cerejo em 2018, o PÚBLICO pediu para consultar os relatórios, pareceres e outros documentos resultantes dos contratos celebrados com Joaquim Morão. “As prestações de serviços em apreço não implicavam a realização de relatórios ou pareceres escritos; os serviços contratados referiam-se ao acompanhamento e monitorização integrada das intervenções em curso, com reuniões de acompanhamento/coordenação e contactos com as várias partes envolvidas”, respondeu a CML.

Discreto foi, no entanto, o relacionamento de Morão com os serviços da direcção municipal que o contratou durante 23 meses. Vários pedidos de contacto feitos telefonicamente pelo PÚBLICO junto dos mesmos tiveram como resposta de telefonistas e secretárias a informação de que não conheciam ali nenhum consultor com o nome de Joaquim Morão.

O ex-autarca, no entanto, responde no mesmo tom da CML. “Eu não sou um burocrata, sou um homem de acção. Não fazia relatórios. Estou muito habituado a trabalhar assim. Reportava ao Salgado e reunia frequentemente com ele.”