Dizer mal de vacinas rende muito dinheiro na Internet

Newsletters partilhadas em inglês com informação falsa ou dúbia sobre vacinas podem valer, pelo menos, 87 mil euros por ano.

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A Substack, que recebe 10% das receitas geradas pelas newsletters, defende o direito dos seus utilizadores partilharem a informação que querem Kayla Velasquez/Unsplash

Escrever newsletters a dizer mal de vacinas pode render milhares de euros — dois mil subscritores rendem cerca de 87 mil euros por ano; 20 mil subscritores rendem 887 mil euros. As contas são do Centro contra o Ódio Digital (CCDH, na sigla inglesa), uma organização não-governamental que quer impedir as grandes tecnologias de dar ferramentas a indivíduos que promovem o ódio e a desinformação online.

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Escrever newsletters a dizer mal de vacinas pode render milhares de euros — dois mil subscritores rendem cerca de 87 mil euros por ano; 20 mil subscritores rendem 887 mil euros. As contas são do Centro contra o Ódio Digital (CCDH, na sigla inglesa), uma organização não-governamental que quer impedir as grandes tecnologias de dar ferramentas a indivíduos que promovem o ódio e a desinformação online.

Os dados do CCDC baseiam-se na compilação de newsletters partilhadas em inglês com informação falsa ou controversa sobre vacinas, particularmente a vacina da covid-19. A Substack, uma plataforma popular que permite criar e enviar boletins informativos, pode ter rendido, em média, 2,5 milhões de dólares (cerca 2,2 milhões de euros) a pessoas que partilham desinformação sobre vacinas a dezenas de milhares de subscritores — porque muitas das newsletters são pagas.

Para a equipa do Centro, este método de partilhar desinformação pode ser mais perigoso do que publicações nas redes sociais. “Os anti-vaxxers [críticos da vacinação] podem alimentar directamente os seus assinantes com mentiras. Como se trata de uma conversa de sentido único, sem a possibilidade de qualquer intervenção do público ou verificação de factos, é mais fácil pregar disparates a audiências privadas”, explica ao PÚBLICO Imran Ahmed, presidente executivo do CCDH.

A Substack, que recebe 10% das receitas geradas pelas newsletters, defende o direito dos seus utilizadores partilharem a informação que querem.

Um dos utilizadores da Substack mencionados pelo CCDH é Joseph Mercola, um osteopata barrado do YouTube que defende a utilização de suplementos alimentares no lugar de vacinas e faz parte da “dúzia da desinformação”. Trata-se de um grupo de 12 pessoas responsáveis por espalhar a maior parte da desinformação sobre vacinas através de dezenas de contas distintas.

A newsletter de Mercola, Take Control of Your Health (inglês para Tome Controlo da Sua Saúde), cobra 50 dólares por ano (quase 45 euros) e tem dezenas de milhares de subscritores pagos. O valor sobe para 60 dólares com a Unreported Truths (Verdades por noticiar, em português), a newsletter de Alex Berenson, um antigo jornalista do New York Times que foi banido do Twitter depois de questionar, repetidamente, a eficácia das vacinas da covid-19.

Como aquelas newsletters têm “dezenas de milhares de subscritores”, as receitas anuais podem variar entre 897 mil euros e 4,4 milhões de euros.

O CCDH diz que é impossível ter números mais precisos porque a Substack não partilha o número exacto de subscritores das suas newsletters. “A Substack apenas declara se uma newsletter tem um número de assinantes pagos nos ‘milhares’ ou ‘dezenas de milhares'”, explica ao PÚBLICO a responsável pela comunicação do CCDH, Lindsay Moran. “Para as nossas estimativas de base, o CCDH utilizou valores no mínimo destes intervalos, ou seja, dois mil e vinte mil assinantes respectivamente.”

Um dos objectivos do alerta do CCDH é pressionar a Substack e plataformas semelhantes a impor regras mais rígidas sobre desinformação. “A Substack tem de aplicar as suas próprias políticas que proíbem ‘conteúdos que promovam actividades prejudiciais ou ilegais’”, resume o líder do CCDH, Imran Ahmed.

Substack não vai limitar discurso

A Substack diz que não vai barrar newsletters que questionam a eficácia de vacinas. “Um dos nossos princípios importantes é defender a liberdade de expressão, mesmo para coisas de que pessoalmente não gostamos ou com as quais discordamos”, escreveu no Twitter Lulu Meservey, responsável pela comunicação da Substack, em resposta às críticas do CCDH. “As pessoas já desconfiam das instituições, dos meios de comunicação e umas das outras”, enumera Meservey. “Saber que opiniões controversas estão a ser suprimidas torna essa desconfiança ainda pior.”

Num comunicado adicional, partilhado no site da plataforma Substack, os fundadores do serviço salientam que a empresa faz decisões “com base em decisões, não em relações públicas” e que vai “continuar a defender a liberdade de expressão.”

Durante anos, o presidente executivo do Meta (empresa dona do Facebook, Instagram, Messenger e WhatsApp) usou o mesmo argumento. “Quando se entra em discussões sobre a liberdade de expressão, caminha-se sobre uma linha ténue”, disse Mark Zuckerberg em 2018, notando que, por vezes, se está “a defender o direito das pessoas dizerem coisas, mesmo que sejam más.” Em Maio de 2020, o líder tecnológico mudou a narrativa, admitindo que a desinformação sobre a covid-19 à solta nas redes sociais (nomeadamente, no Facebook) estava a contribuir para uma “crise de segurança”.

O Centro contra o Ódio Digital reforça que as redes sociais têm de fazer mais sobre a desinformação. “Lucrar com a difusão de mentiras sobre uma vacina que está a salvar milhões de pessoas de doenças graves e da morte é moralmente inconcebível e custa vidas”, sublinha o presidente executivo do CCDH.

O Centro está actualmente a monitorizar 827 contas online em inglês que partilham desinformação sobre a covid-19 ou vacinas. Ao todo, têm 62 milhões de seguidores.

As newsletters não são as únicas plataformas a lucrar com desinformação. Num outro relatório sobre os “lucros pandémicos”, a organização estima que as pessoas que seguem contas que partilham desinformação sobre vacinas “podem valer até 1,1 mil milhões de dólares [cerca de 935 milhões de euros à taxa de câmbio actual] em receitas anuais para gigantes das redes sociais”. A maior parte do dinheiro vem de anunciantes que pagam “conscientemente ou inconscientemente para chegar aos utilizadores interessados em desinformação sobre vacinas.”