Igor Pjörrt fez as pazes com a Madeira e está pronto para partir (outra vez)

do avião vi a estrela pular é a primeira exposição a solo do jovem fotógrafo Igor Pjörrt, e logo na ilha que o viu nascer — e de onde tanto quis sair. Nela cabem as angústias da juventude insular, a necessidade de escapismo, a sexualidade e o género. No fundo, as dores de crescimento de uma geração móvel. Como ele.

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De capa e batina, um rapaz espraia-se sobre a areia negra ao anoitecer. O cabelo revolto, de uma juventude sem lei; um laço azul-claro na lapela, símbolo da área de ciências e tecnologias; o rosto levantado, como quem espera o amanhã ansiando-o ou temendo-o? É o protagonista de um dia que acaba, com as primeiras estrelas a despontar no céu. Um adolescente prestes a deixar de o ser, agora que cumpriu a Bênção das Capas, um ritual obrigatório para qualquer madeirense ao chegar ao 12.º ano.

Acontece que, na vida real, Matias “não fez as capas” em 2020 por causa da pandemia de covid-19, explica Igor Pjörrt, que fotografou o amigo nesta praia como quem recria a tradição que lhe foi roubada, um “evento de transição” bastante simbólico para quem o vive. “Porque estamos hiperconscientes de que algo vai terminar”, diz o artista funchalense de 25 anos, já bem longe da “sua” Bênção das Capas, mas talvez com o mesmo estado de espírito: “Imagino que a partir de agora nunca mais vou viver na Madeira, é a última vez que vou reconhecer a geração mais jovem —​ e é algo a que dou valor. Talvez porque estou apegado a esses hábitos, ao que é ser jovem aqui.”

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Igor Pjörrt

Não é por acaso que Finalista na Praia é a imagem que figura nos cartazes da exposição do avião vi a estrela pular, que pode ser visitada no Funchal, na Fundação Cecília Zino (Rua do Bettencourt, 10, 3.º andar), até 28 de Fevereiro, por onde Igor guia o P3. Estaca à frente desta fotografia e demora-se a apresentá-la. Porque resume a sua história, como se encerrasse um capítulo, num certo “saudosismo adiantado” de que sofre desde miúdo. Porque reúne em si muitos dos seus temas: a juventude insular (a “raiz” de tudo), as dores de crescimento de uma geração, o escapismo para a natureza e o firmamento. E remete para o título: “Quando estou na Madeira, tenho muito a sensação de que nada se passa aqui, está tudo a acontecer lá fora é o FOMO. A estrela polar também é estática e queria fazer uma alusão visual porque, sempre que volto, vejo que, em pouco tempo, a Madeira também muda, as gerações crescem, desenvolvem-se. Foi preciso sair daqui para ver que também faz parte do mundo e que é algo pessoal, mais do que geográfico.”

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Igor Pjörrt tem 25 anos e nasceu no Funchal Gedvile Tamosiunaite

Vem de trás. Em 2016, aos 19 anos, mostrava ao P3 os seus primeiros trabalhos, falando da “frustração de crescer numa ilha pequena quando se tem ambições maiores” e levantando a discussão em torno do sexo e do afecto, particularmente ancorada na sigla LGBTQI+. Quatro anos depois, concluída a licenciatura em Cinema e Televisão em Londres e a rematar o mestrado em Fotografia em Lausanne, na Suíça, apresentava Apartamento, questionando a visão binária do género e os limites dos espaços e dos corpos, pelo meio de auto-retratos com a mãe.

Começou cedo, por isso é que o convite para fazer uma “retrospectiva” do seu trabalho ao quarto de século de vida até lhe fez sentido. É a sua primeira exposição a solo e logo na terra que o viu nascer — ​e de onde tanto quis sair. Por causa da pandemia, tem estado pelo Funchal há mais de um ano, numa escala temporária — segue-se Paris. Acabou por viver quase uma “segunda puberdade”, conheceu muita gente com 18, 19 anos, foi muitas vezes o mais velho do grupo. Sente que, por fim, fez as pazes com as suas raízes. Com o tempo, estando longe, foi percebendo que também ele vinha daqui, que partilha as mesmas atitudes que tanto criticava. “E agora foi uma reconciliação total”, conclui. “Tem piada”, diz, porque sinto que estou a fechar alguma coisa, que vou começar a minha carreira —​ daí ser importante reconciliar-me com a ilha.”

Afecto ou pornografia?

Escolheu 20 fotografias para compor a sua constelação pessoal, muitas do seu arquivo, outras captadas a propósito como a do jovem finalista. As mais antigas remontam a 2013, quando tinha 17 anos, recebeu uma pequena câmara digital compacta da Sony e “montava um tripé” porque estava “aborrecido em casa” (aos 13, criava um Tumblr e o apelido Pjörrt para partilhar anonimamente as suas primeiras fotos na Internet). Vai falando delas, deambulando pelos corredores, parando numa ou noutra moldura gigante, como quem revisita uma biografia —​ a dada altura, interrompe-se à frente da Ponta de São Lourenço (Ilha Negra) para limpar uma ligeira sujidade no quadro. “Desculpa, não estava a conseguir”, diz, entre risos.

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Lira Igor Pjörrt
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Marta Igor Pjörrt

Numa das salas negras (há três) joga ao quarto escuro, como na puberdade, resgatando dois retratos crus de duas grandes amigas, uma delas de Blackberry na mão, numa ida nocturna à piscina e encaixa-os com uma paisagem, a linha em que o céu e o oceano se encontram, sempre presentes. “O mar é um lugar que é um limite e também se pode imaginar o que há no horizonte.” Sempre em escape.

Com oito anos, Igor já tinha vivido no Funchal, em Guimarães, Braga, na Arábia Saudita, no Qatar e na Coreia do Sul a família ia para onde estava o pai, antigo jogador de futebol. Talvez venha daí este certo desassossego, a vontade de evasão. Ou a atracção pelo que há para lá das estrelas. “Sempre quis ser astrónomo e astrofísico”, há-de explicar, mas depois apareceu a “fotografia” —​ e confessa que muito se debateu para se reconhecer no rótulo de “artista” ou “fotógrafo”.

Hoje, a arte “é uma necessidade”, mas pratica-a “sem urgência”. Fora do trabalho autoral, tem feito caminho pela moda já trabalhou com a JW Anderson e Constança Entrudo, fez um editorial para a Giorgio Armani, ganhou um prémio de fotografia da Calvin Klein, chamando a atenção da Wallpaper. Mas mesmo nesse campo espera “provocar uma discussão”.

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Igor Pjörrt

Aliás, não se esquiva a polémicas, como a que aconteceu em torno da fotografia Cuspido, um retrato do seu namorado dos 19 anos, no duche, com “implicação sexual”. Valeu-lhe uma bolinha no canto do ecrã, um aviso de que aquela exposição é para maiores de 18 anos. “Faz parte de uma altura na minha vida focada na relação afectuosa”, diz. Onde vê afecto, uma “faceta do amor”, outros vêem pornografia — e a verdade é que também lhe interessa incendiar essa reflexão. Até por aqui. “Quis ter a certeza de que esta exposição chegava a qualquer pessoa.” Por isso, fez um anúncio no Instagram bastante abrangente e andou a distribuir flyers pelas ruas.

Por outro lado, no seu trabalho, como se nota, sempre gostou de “isolar pessoas no vácuo”, tanto no breu como na natureza (como em Esconderijo, retrato de um amigo captado no ano passado, numa praia da sua ilha). Porquê? “Também tem que ver com um lugar queer”, reflecte. “Em criar um lugar seguro onde não há ninguém à volta e por isso é um lugar para viver, para sermos nós próprios.”

O P3 viajou a convite da Fundação Cecília Zino

Actualizado com a nova data de encerramento da exposição