Em defesa de um SNS que priorize a saúde mental

Ter apoio à saúde mental é uma questão de vida ou morte. Não é só porque não está à vista que dói menos que um braço partido.

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Uma vez que estamos de olhos postos no Orçamento de Estado para 2022, e discutimos, em particular, e bem, a necessidade de investir na saúde pública, trago o tema da saúde mental através da minha experiência enquanto paciente psiquiátrica em tratamento através do Serviço Nacional de Saúde. Tenho 24 anos, e sei que, pelo menos nos últimos dez, lidei com ansiedade e depressão. Memórias anteriores a este período são enevoadas.

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Uma vez que estamos de olhos postos no Orçamento de Estado para 2022, e discutimos, em particular, e bem, a necessidade de investir na saúde pública, trago o tema da saúde mental através da minha experiência enquanto paciente psiquiátrica em tratamento através do Serviço Nacional de Saúde. Tenho 24 anos, e sei que, pelo menos nos últimos dez, lidei com ansiedade e depressão. Memórias anteriores a este período são enevoadas.

Tinha 16 anos na primeira vez que entrei num gabinete de psicologia para fazer terapia. A minha mãe fez o esforço de pagar as consultas privadas durante algum tempo, mas a regularidade necessária para verificar avanços era incomportável em termos económicos.

Quando ingressei na faculdade, consegui obter apoio através dos serviços de acção social da universidade, porém, mais uma vez, a regularidade das consultas dificultava o progresso. Isto porque o número de psicólogos disponíveis era claramente insuficiente para o número de estudantes que pediam ajuda. Assisti ao declínio deste apoio, à medida que a psicóloga que me ia acompanhando quando podia me contava sobre a redução de psicólogos no serviço. As consultas tornavam-se cada vez mais distantes, e acabei por desistir por não notar melhorias em mim.

Não sei como funciona a depressão, mas sei que a vi crescer como uma sombra. Cheguei ao ponto em que a terapia não era suficiente e tinha de pedir ajuda. Assombra-me o facto de só a ter conseguido por sorte. Se eu tive sorte, quantos não têm? Não é dos cuidados psiquiátricos que falo, porque, pelo menos no hospital onde sou acompanhada, não tenho razão de queixa, mas do acesso a estes. Só consegui contactar com um psiquiatra do serviço público e obter ajuda por ter um familiar na área da saúde. Como é que é suposto fazerem as pessoas que não têm familiares que conhecem psiquiatras e psicólogos do SNS?

Mais assustadora ainda foi a reacção da minha médica de família ao saber que estava a ser seguida em psiquiatria: “Como é que conseguiu um psiquiatra no público?”, questionou-me, como se estivéssemos a falar de criaturas mitológicas. Porque é isso que são estes profissionais no SNS - criaturas mitológicas. Quase ninguém acredita neles porque são poucos a ter acesso a estes cuidados. Não porque eles não sejam excelentes profissionais, mas porque não são suficientes e não conseguem chegar a todos.

Recebi ajuda a tempo. Desde Junho que estou a ser tratada e medicada. As primeiras semanas foram um inferno e não faço ideia do que vem aí, só sei que estou melhor. Mas o meu exemplo é um caso de sorte.

O que será feito de todos os que precisam de ajuda e não a conseguem? É urgente ter um serviço nacional que leve a sério a questão da saúde mental. Porque se obtemos ajuda urgente quando partimos um braço ou uma perna, também a deveríamos obter na doença mental. Ter apoio à saúde mental é uma questão de vida ou morte. Não é só porque não está à vista que dói menos que um braço partido.