Mais de 200 revistas de saúde apelam por acções urgentes contra as alterações climáticas

Num editorial comum, revistas de saúde pedem que líderes mundiais aumentem os seus esforços para transformar as sociedades e torná-las mais saudáveis. A saúde já está a ser prejudicada pela subida da temperatura média global, acusam.

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Numa declaração conjunta, revistas de saúde pedem que líderes mundiais mudem em 2021 o rumo do planeta Unsplash

Mais de 200 revistas especializadas em medicina ou saúde pública juntaram-se para publicar em simultâneo um editorial que apela aos líderes mundiais para que tomem medidas urgentes para limitar o aumento da temperatura média global abaixo dos 1,5 graus Celsius, travar a destruição da natureza e proteger a saúde humana. A emergência climática que o mundo enfrenta acabou por levar a algo inédito: nunca tantas revistas científicas de saúde se tinham unido para lançar a mesma declaração.

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Mais de 200 revistas especializadas em medicina ou saúde pública juntaram-se para publicar em simultâneo um editorial que apela aos líderes mundiais para que tomem medidas urgentes para limitar o aumento da temperatura média global abaixo dos 1,5 graus Celsius, travar a destruição da natureza e proteger a saúde humana. A emergência climática que o mundo enfrenta acabou por levar a algo inédito: nunca tantas revistas científicas de saúde se tinham unido para lançar a mesma declaração.

Há já muito tempo que profissionais e revistas de saúde têm vindo a alertar para os impactos graves e cada vez maiores das alterações climáticas na saúde e na destruição da natureza. Agora, com a aproximação da Assembleia Geral das Nações Unidas (a partir de 14 de Setembro) – um dos grandes encontros antes da 26.ª conferência das partes (COP26) da Convenção-Quadro sobre as Alterações Climáticas das Nações Unidas –, as mais de 200 revistas científicas unem-se para se fazer ouvir num editorial comum.

Nesse apelo estão revistas de referência e de todos os continentes, incluindo a The Lancet, New England Journal of Medicine, The BMJ, PLOS Medicine, East African Medical Journal, Chinese Science Bulletin, National Medical Journal of India ou a Medical Journal of Australia. Entre elas, não há qualquer revista com sede em Portugal. De revistas em língua portuguesa, o artigo vai ser publicado na Revista de Saúde Pública, do Brasil.

Ao longo do editorial, deixam-se algumas ideias sobre o impacto do aumento da temperatura na saúde humana. “A saúde está já a ser prejudicada pelo aumento na temperatura global e pela destruição do mundo natural, uma situação para a qual os profissionais de saúde têm vindo a chamar a atenção há décadas”, escreve-se no artigo.

Nos últimos 20 anos, destaca-se que a mortalidade ligada ao calor entre as pessoas com mais de 65 anos tem subido para mais de 50%. Temperaturas mais altas têm aumentado a desidratação, a insuficiência renal, malignidades dermatológicas, infecções tropicais, resultados negativos para a saúde mental, complicações na gravidez, alergias, ou morbilidades cardiovasculares e pulmonares. Alerta-se que esses danos afectam desproporcionalmente os mais vulneráveis, nomeadamente as populações mais velhas, minorias étnicas, comunidades mais pobres, crianças ou quem já tem doenças subjacentes.

O declínio de culturas agrícolas ligado ao aquecimento global não é esquecido. Juntamente com esse declínio, os efeitos do clima extremo e o esgotamento dos solos pode minar os esforços para se reduzir a subnutrição no mundo. Assinala-se ainda que ecossistemas prósperos são essenciais para a saúde humana, e que a destruição alargada da natureza está a pôr em causa a segurança alimentar e da água, o que aumenta o risco de pandemias. E nota-se: “As consequências da crise ambiental recaem desproporcionalmente em países e comunidades que menos contribuíram para o problema e menos capacidade têm de mitigar os danos.”

No editorial, apela-se para que os governos intervenham de uma forma que seja possível transformar as sociedades e as economias. Como? Ao apoiar a remodelação dos sistemas de transportes, das cidades, da produção e distribuição alimentar, ou dos sistemas de saúde. “Os governos devem fazer mudanças fundamentais na forma como as nossas sociedades e economias são organizadas, na forma como vivemos”, lê-se no documento. Dessa forma, poderiam verificar-se melhorias na qualidade do ar e na alimentação ou num aumento na actividade física.

Países mais ricos têm de ajudar mais

Os esforços de muitos governos, instituições financeiras e de empresas para alcançar metas de emissões líquidas zero (incluindo até 2030) são destacados no editorial. O custo da energia renovável está a descer e há países que estão a tentar proteger pelo menos 30% dos oceanos e territórios até 2030. Mesmo assim, refere-se que esses esforços não são suficientes e que é preciso combiná-los com planos a curto e longo prazo para aumentar as tecnologias de “energia limpa” e transformar as sociedades.

Também se sugere que os países que mais contribuíram para a actual crise ambiental devem apoiar mais os países de baixos e médios rendimentos a construir sociedades mais limpas, saudáveis e resilientes. Os países mais ricos devem aumentar o seu “financiamento climático” tanto ao nível de medidas de mitigação como de adaptação. Esse financiamento deve ser feito em subvenções e não através de empréstimos a outras nações.

Na declaração comum não restam dúvidas sobre o grande problema que se enfrenta: “A grande ameaça para a saúde pública global é o contínuo fracasso dos líderes mundiais em manter o aumento da temperatura global abaixo dos 1,5 graus Celsius.” Aliás, no novo relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas confirma-se a grande influência humana no aquecimento global e nos fenómenos associados. Concluiu-se que, em qualquer cenário, a Terra deve aquecer 1,5 graus até 2040.

“Devem ser feitas mudanças urgentes em toda a sociedade, o que levará a um mundo mais saudável e justo”, resume-se. “Pedimos aos governos e outros líderes para actuar para que 2021 seja marcado como o ano em que o mundo finalmente mudou de rumo.”

Em comunicado, Fiona Godlee, directora de The BMJ e uma das autoras do editorial, salienta o compromisso dos profissionais de saúde na luta contra as alterações climáticas. “Os profissionais de saúde têm estado na linha da frente da crise da covid-19 e estão unidos no alerta de que o aumento de 1,5 graus Celsius [na temperatura média global] e uma contínua destruição da natureza levarão a uma próxima crise [de saúde global] ainda mais letal.” Também Richard Horton, director de The Lancet, deixou uma mensagem: “Enfrentar urgentemente a crise climática é uma das grandes oportunidades que temos de melhorar o bem-estar das pessoas em todo o mundo.”