Bem-vindo, Presidente Biden, os “nossos interesses” são os de todos nós e não apenas os da sua nação

Por mais rica ou poderosa que seja qualquer nação, ela nunca encarnará nem interpretará por si só a vastíssima comunidade internacional. Não há no ordenamento jurídico qualquer preceito que permita utilizar uma posição de força para liderar o mundo.

O artigo de opinião de Joe Biden ao PÚBLICO de 7 de junho constitui um documento bem demonstrativo da conceção do mundo por parte desta Administração.

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O artigo de opinião de Joe Biden ao PÚBLICO de 7 de junho constitui um documento bem demonstrativo da conceção do mundo por parte desta Administração.

Não deve ser por acaso que a palavra mais utilizada por Biden é o pronome possessivo nossos ou nossas.

Biden vem transmitir à Europa “os nossos valores e a nossa visão do futuro”, esperando que eles sejam partilhados pelas nações que partilham os valores e a visão do futuro dos EUA.

Biden explica melhor: “Os EUA devem liderar o mundo a partir de uma posição de força…”

A partir desta premissa, os aliados ou aceitam que os seus interesses e a sua visão do mundo é a dos EUA e se juntam para assumirem com aquele país uma posição de força na comunidade internacional, impondo-a, ou, quiçá, entendem que o mundo é hoje multipolar e, nesta conformidade, manifestarão a Biden que os interesses dos EUA não são os únicos num mundo tão diversificado e polarizado e que provavelmente não coincidirão sempre, nomeadamente quando os serviços secretos dos EUA espiam as conversações de Angela Merkel e de outros dirigentes mundiais aliados dos States.

Se há ponto em que a ordem internacional se deve basear é o de o que o mundo é cada vez mais diversificado e os seus interesses são-no igualmente.

Por mais rica ou poderosa que seja qualquer nação, ela nunca encarnará nem interpretará por si só a vastíssima comunidade internacional e muito menos um país que está envolvido direta ou indiretamente em inúmeros conflitos que vão desde a Palestina ao Afeganistão, da Ucrânia à China, desde a Rússia à Venezuela, desde o Sahara Ocidental ao Iémen, desde a Coreia à Síria.

Assumir uma posição de força em qualquer circunstância e, sobretudo, no mundo de hoje é ter uma conceção unilateralista dos interesses em jogo e considerar que os tais nossos prevalecem sobre os demais.

Não há no ordenamento jurídico qualquer preceito que permita utilizar uma posição de força para liderar o mundo.

Acresce que Biden se refere aos ataques da China e da Rússia através da vigilância de tecnologias invasivas que merecem a total condenação de quem quer viver livre do olho do Big Brother. Só que os EUA devem ser o único país do mundo que tem um aparelho de escuta de todas as comunicações mundiais em tempo real, no sentido de apanhar por arrasto tudo o que se passa no mundo desde os grandes negócios às ameaças terroristas, à espionagem dos armamentos dos outros países até às conversações dos seus dirigentes.

Em simultâneo, os EUA têm consagrado na lei poder assassinar em qualquer país do mundo políticos considerados inimigos.

Os serviços secretos dos EUA utilizam as mais avançadas tecnologias informáticas invasivas para espiolhar tudo o que se passa no mundo e no Planeta. Só partilham estas informações consigo próprios, pois é impossível partilhá-las com os aliados que espiam, como é natural.

Ninguém com tino nega a importância dos EUA no mundo e a sua contribuição para a paz e a segurança mundiais; só que se for a partir de posições de força para impor os seus interesses e a sua visão do mundo, é certo e seguro que os outros parceiros mundiais, com os seus interesses e visões próprias, jamais as aceitarão.

Em tal circunstância, o que nos espera é que os outros procurem posições de força para responder à força do outro lado.

O mundo precisa de uma posição de força para, em conjunto, acabar com a fome, vacinar África e a América Latina e os países pobres de todos os continentes. O mundo precisa que todos façam força para defender a paz. E força para atenuar as desigualdades entre os Estados.

Os nossos interesses enquanto cidadãos do mundo não são os de um ou dois ou três países; os nossos são os de todos nós, seja qual for o país onde nascemos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico