Bruxelas mantém regras suspensas e dá “ordem”: é preciso estimular a economia

Comissão Europeia recomenda que os Estados-membros evitem retirar prematuramente as medidas de apoio lançadas para responder à pandemia. Investimentos devem seguir o guião dos planos de recuperação e resiliência.

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Nelson Garrido

A Comissão Europeia não alterou as suas recomendações para a condução da política orçamental durante os anos de 2021 e 2022, enquanto se mantém em vigor a cláusula geral de escape que suspende a aplicação das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento: a “ordem” para os Estados-membros continua a ser para manter os apoios temporários e estimular a economia, principalmente através do investimento.

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A Comissão Europeia não alterou as suas recomendações para a condução da política orçamental durante os anos de 2021 e 2022, enquanto se mantém em vigor a cláusula geral de escape que suspende a aplicação das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento: a “ordem” para os Estados-membros continua a ser para manter os apoios temporários e estimular a economia, principalmente através do investimento.

Porém, para os países com elevado nível de endividamento, como é o caso de Portugal, Bruxelas deixa um aviso e uma orientação particular para a contenção do crescimento da despesa corrente, para não comprometer o movimento no sentido do equilíbrio orçamental a médio prazo. A promoção do investimento deve ser feita através do aproveitamento dos fundos disponibilizados pelo Mecanismo de Recuperação e Resiliência, que, recorda o executivo comunitário, são neutros do ponto de vista orçamental e não têm impacto no défice.

Em resposta ao PÚBLICO, o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, confirmou que as recomendações para Portugal vão no sentido de “estimular a economia e financiar a recuperação económica, mantendo a prudência tendo em conta a necessidade de garantir a sustentabilidade orçamental a médio prazo”.

Bruxelas já está a pensar para além de 2022, e por isso o alerta é para uma “limitação” na evolução das despesas correntes, para que as medidas destinadas a promover a recuperação e aumentar o potencial de crescimento não se tornem “um peso permanente nas finanças públicas” — cuja “composição” deve ser melhorada.

“Uma coisa é usar as finanças públicas para pagar despesas correntes, e outra é usá-las para investir em investigação, educação, formação profissional ou infra-estruturas públicas. A prioridade deve ser para investimentos que promovam o potencial de crescimento, nomeadamente aqueles que dizem respeito à transição verde e digital”, distinguiu o comissário da Economia, Paolo Gentiloni.

As recomendações para Portugal são “consistentes” e “estão em linha” com as orientações que Bruxelas deixou a todos os países com nível elevado de endividamento, e que passam por “aproveitar ao máximo as oportunidades do Mecanismo de Recuperação e Resiliência” para a promoção do investimento, acrescentou Dombrovskis.

Como salientou Paolo Gentiloni, Portugal foi o primeiro Estado-membro a apresentar a Bruxelas o seu plano nacional de recuperação e resiliência, no que considerou um “excelente exemplo da cooperação entre o Governo e os serviços da Comissão”. Sem avançar uma avaliação concreta do plano nacional, ou uma data para a sua aprovação, Gentiloni disse que o executivo acredita que este “pode dar um forte contributo para o relançamento da economia portuguesa”.

Na apresentação do chamado “Pacote de Primavera do Semestre Europeu”, esta quarta-feira, em Bruxelas, os responsáveis pelas pastas do euro, da economia e do emprego chamaram a atenção para os resultados da “resposta sem precedentes” da UE à crise, através da combinação da política monetária e orçamental, do uso da flexibilidade prevista nos tratados para a suspensão da disciplina orçamental e para o regime das ajudas de Estado, e da aprovação do Mecanismo de Recuperação e Resiliência que prevê o financiamento, com subvenções e empréstimos em condições favoráveis, das reformas e investimentos públicos vertidos nas recomendações específicas por país.

“A nossa expectativa é que [o Mecanismo de Recuperação e Resiliência] possa gerar um impulso económico correspondente a 1,2% do PIB da União Europeia e ajudar a criar cerca de 800 mil postos de trabalho até ao final do próximo ano”, assinalou Dombrovskis. “O mecanismo também vai contribuir para resolver alguns dos desequilíbrios macroeconómicos com que nos confrontamos”, acrescentou.

Erros do passado não são para repetir

Com 24 dos 27 Estados-membros da UE a registarem um défice das contas públicas acima dos 3% do PIB, a Comissão Europeia decidiu que não se justificava a abertura de nenhum procedimento por défice excessivo, que forçasse os governos a proceder a ajustamentos num contexto de crise e ainda de grande incerteza. A excepção é a Roménia, que já estava debaixo de um procedimento antes de rebentar a crise do novo coronavírus — mas que agora terá um prazo alargado até 2024 para proceder à correcção da sua trajectória.

“As nossas economias vão emergir desta crise com um nível de défice significativo, e todos sabemos que vai ser preciso reduzir este valor. Mas não podemos repetir os erros do passado de sacrificar o investimento público e outras despesas produtivas que são necessárias para o crescimento das nossas economias”, insistiu Gentiloni, lembrando que “as experiências de alguns Estados-membros mostram que fortalecer o potencial de crescimento é uma maneira muito eficaz de reduzir a dívida pública”.

No que diz respeito à dívida, Bruxelas identificou 13 Estados-membros que não cumprem os critérios estabelecidos no tratado orçamental. São praticamente os mesmos que já estavam debaixo do mecanismo de alerta por desequilíbrios macroeconómicos e onde os riscos e vulnerabilidades aumentaram no último ano.

No caso de Portugal, o relatório da Comissão Europeia relaciona as vulnerabilidades ao nível elevado do endividamento público e privado e ainda à percentagem considerável de crédito malparado, que pode constituir um risco assim que medidas como as moratórias forem retiradas. Bruxelas atribuiu o actual défice das contas públicas ao impacto da crise pandémica no sector do turismo, mas estima que a situação possa melhorar “moderadamente” nos próximos meses.

“Sabemos que em Portugal os desafios para relançar a economia estão ligados a dificuldades específicas, como, por exemplo, a paralisação do turismo internacional. Essa é, aliás, uma das razões por que temos uma previsão de crescimento mais forte para 2022 do que para este ano, será uma retoma gradual”, observou Paolo Gentiloni.

Na apresentação do chamado “Pacote de Primavera do Semestre Europeu”, a Comissão Europeia confirmou que a cláusula geral de escape do Pacto de Estabilidade e Crescimento vai mesmo manter-se em vigor até ao fim de 2022, quando se estima que já todos os Estados-membros da UE tenham recuperado o nível do PIB anterior à pandemia. A “expectativa” do executivo é que a aplicação do PEC seja retomada em 2023, mas uma decisão definitiva nesse capítulo só será tomada se as condições macroeconómicas forem favoráveis.

A decisão de Bruxelas foi saudada pelo primeiro-ministro no final da reunião do Conselho de Ministros, com António Costa a renovar o seu apelo para uma revisão dos pressupostos do Pacto de Estabilidade e Crescimento. “Há hoje um consenso bastante alargado que, depois de duas crises económicas e mais de vinte anos de experiência acumulada na gestão destas regras, é tempo de proceder à sua reavaliação”, afirmou o primeiro-ministro, que apontou para o Outono como uma boa altura para avançar essa reflexão.

A convicção de António Costa é que a Eslovénia, que assume no próximo dia 1 de Julho a presidência do Conselho da UE, “dará continuidade à reflexão iniciada pela presidência portuguesa, e a presidência francesa não deixará de colocar esse tema como um tema central” — o que quer dizer que, no calendário do primeiro-ministro, a discussão deverá prolongar-se em 2022, e dificilmente resultará em mudanças antes da reactivação do PEC.

Fontes europeias confirmaram que a discussão sobre a revisão das regras do tratado orçamental vai arrancar no segundo semestre do ano, com o relançamento das consultas públicas que foram interrompidas por causa da pandemia, mas não avançaram um calendário ou um prazo previsível para a conclusão desse processo. “Sabemos que é uma matéria controversa e que há posições muito diferentes dos Estados-membros, mas há um interesse da nossa parte em actualizar as regras”, garantiu o comissário da Economia, Paolo Gentiloni.

Questionado sobre o risco da aplicação do PEC travar o investimento e o crescimento da economia, o vice-presidente executivo da Comissão disse que as regras do tratado orçamental “já contém uma flexibilidade que pode ser utilizada para encontrar um equilíbrio entre o financiamento da recuperação e a garantia da sustentabilidade orçamental”, e lembrou que em 2015 o executivo apresentou uma comunicação sobre a melhor maneira de usar essa flexibilidade.

Compromisso do Porto transcrito para o ciclo do Semestre

O Pacote de Primavera divulgado esta quarta-feira incluiu ainda uma actualização de recomendações para a coordenação das políticas de emprego ao nível da UE. Também neste capítulo a Comissão Europeia mantém a mesma linha do ano anterior, repetindo que os Estados-membros devem desenhar medidas que facilitem o processo de adaptação dos mercados de trabalho à dupla transição verde e digital, nomeadamente com incentivos à contratação e formação profissional, a prevenção da precariedade e a promoção do aumento da participação das mulheres no mercado laboral e da transparência salarial.

Mas na sequência das declarações assinadas pelos líderes europeus e pelos parceiros sociais na Cimeira Social do Porto, a revisão das recomendações passou também pela introdução no exercício do Semestre Europeu das novas metas quantitativas para o emprego, as competências e a redução da pobreza previstas no quadro da implementação do pilar europeu dos direitos sociais até 2030. “A recuperação está aí, e temos de garantir que ela é inclusiva e permite criar mais e melhores postos de trabalho”, resumiu o comissário com a pasta do Emprego e dos Direitos Sociais, Nicolas Schmit.