China acusada de forçar uigures a negar violações em Xinjiang

Agência Associated Press revela documento com instruções sobre como os uigures devem ser gravados em vídeo a elogiarem as condições de vida na província chinesa, onde as autoridades são acusadas de graves abusos dos direitos humanos da minoria muçulmana.

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Mulheres uigures numa escola para "educação política" em Xinjiang Thomas Peter

Um documento obtido pela agência de notícias Associated Press revela que os vídeos onde surgem uigures a negar a existência de violações dos direitos humanos por parte das autoridades da China fazem parte de uma campanha governamental.

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Um documento obtido pela agência de notícias Associated Press revela que os vídeos onde surgem uigures a negar a existência de violações dos direitos humanos por parte das autoridades da China fazem parte de uma campanha governamental.

Os uigures são uma minoria étnica chinesa de origem muçulmana. O Governo chinês é acusado de orquestrar uma campanha de detenção em massa, destruição cultural e assimilação forçada dos uigures e outras minorias muçulmanas nativas da região de Xinjiang, no extremo noroeste do país.

A imprensa estatal chinesa publicou este ano dezenas de vídeos de uigures a criticar o ex-secretário de Estado dos EUA Mike Pompeo por declarar um genocídio na região.

Os vídeos, que as autoridades insistem tratar-se de manifestações espontâneas de emoção, também foram difundidos em conferências de imprensa do Governo realizadas para a imprensa estrangeira.

Mas o texto obtido pela Associated Press, e divulgado esta quinta-feira, é a primeira indicação de que os vídeos são programados.

Texto preparado

Enviado em Janeiro para o governo da cidade de Karamay, no norte de Xinjiang, o texto pedia aos funcionários para encontrarem um uigur fluente em mandarim, para gravar um vídeo de um minuto em resposta aos “comentários anti-China” de Pompeo.

“Expresse uma posição clara sobre os comentários de Pompeo, como por exemplo: eu oponho-me firmemente e estou muito zangado com os comentários anti-China de Pompeo”, lê-se no texto, citado pela agência de notícias. “Expresse os seus sentimentos de amor pelo partido, o país e Xinjiang (eu sou chinês, amo a minha pátria mãe, sou feliz no trabalho e na vida)”, acrescenta.

Não sendo descartável que as autoridades tenham encontrado uigures dispostos a participar na campanha de relações públicas, o histórico da China em Xinjiang e os abusos documentados levaram muitos especialistas a concluir que é mais provável que as participações tenham sido forçadas.

“O significado é que há evidências concretas de que o Governo chinês está a solicitar este tipo de vídeo”, disse Albert Zhang, investigador do Australian Strategic Policy Institute, que recentemente foi co-autor de um relatório sobre a campanha de desinformação de Pequim em Xinjiang.

O porta-voz de Xinjiang, Xu Guixiang, não negou directamente a autenticidade do texto, mas disse que não seguia o formato das ordens estatais e que o seu entendimento é que “o Governo nunca emitiu esse tipo de notificação nem fez esse tipo de solicitação”, sugerindo que os vídeos foram feitos voluntariamente.

“Isto não exigia organização governamental. Muitas pessoas fizeram-no de forma totalmente espontânea”, disse Xu. “Os comentários anti-China de Pompeo geraram intenso ressentimento entre vários grupos étnicos em Xinjiang.”

Os governos ocidentais impuseram sanções contra as principais autoridades chinesas, enquanto o Governo norte-americano baniu as importações de algodão e tomate de Xinjiang, alegando preocupações com trabalho forçado.

Tahir Imin, um activista uigur que fugiu da China em 2017, disse que os vídeos são quase de certeza orquestrados e feitos sob coacção, já que as informações sobre Xinjiang são fortemente censuradas.

“As pessoas não sabem quem é Pompeo ou o que é que ele está a dizer”, notou Imin.

“Como é que é possível que eles soubessem o que é que Mike Pompeo está a dizer sobre os uigures”, questionou, referindo-se à censura praticada na China sobre informações politicamente sensíveis.

Um detido

A Associated Press obteve o texto a partir de Firdavs Drinov, um homem de etnia cazaque que diz ter acedido aos documentos a partir de um amigo cujos familiares trabalham para o governo em Karamay.

Três dias depois de ter partilhado os textos, a polícia deteve Drinov e o amigo.

O governo de Xinjiang confirmou que Drinov foi preso, alegando que ele é suspeito de “fabricar e difundir informações falsas” e “envenenar e enfeitiçar grupos ignorantes e instigar o separatismo”.

Referindo-se a Drinov pelo seu nome legal em mandarim, Chen Haoyu, disse que está a aguardar julgamento num centro de detenção e que os seus “direitos serão protegidos de acordo com a lei”.

Drinov é um linguista que sonhava em obter um doutoramento nos Estados Unidos, apesar de nunca ter concluído um curso superior. Fluente em mandarim, inglês, uzbeque, uigur, russo e francês, treinou para representar a China na Olimpíada Internacional de Linguística em 2015.

Drinov mantém uma presença em redes sociais altamente censuradas na China, como o Facebook, Twitter e WhatsApp, e já teve problemas com as autoridades antes.

Em Dezembro de 2019, foi colocado num centro de detenção durante 15 dias por “provocar confusão e problemas”, uma acusação vaga frequentemente usada em casos políticos.

Promoção de paisagens

Especialistas dizem que os vídeos de uigures encomendados pelas autoridades são parte de uma campanha de desinformação coordenada pelo Estado, visando branquear as suas políticas em Xinjiang.

Dezenas de novas contas no Twitter e no Tiktok difundiram vídeos. Algumas daquelas contas são pretensamente administradas por uigures de Xinjiang, embora a simples instalação daquelas aplicações tenha servido como pretexto para deter uigures.

Os relatos promovem as paisagens exuberantes de Xinjiang, com as suas montanhas cobertas de neve, retratando uma vida idílica e despreocupada, em desacordo com os relatos de centenas de uigures e cazaques que fugiram da região nos últimos anos.

O relatório do Australian Strategic Policy Institute de Zhang apurou que alguns dos vídeos foram produzidos por uma empresa fundada pelo governo de Xinjiang.

“Acho interessante a quantidade de recursos que o Governo chinês está disposto a usar para produzir esse conteúdo e divulgá-lo”, disse Zhang. “A escala e a persistência são novas e preocupantes”, considerou.

Muitos vídeos difundidos por uigures nas redes sociais foram partilhados por novas contas, abertas pelas autoridades chinesas e meios de comunicação estatais nos últimos anos.

A China tem uma reacção muito diferente para com académicos e activistas que usam as redes sociais para pesquisar ou para se manifestarem contra a situação em Xinjiang.

Nyrola Elimä, uma uigur que mora na Suécia, disse que depois de ter difundido informações no Twitter sobre a detenção do seu primo, a polícia bateu à porta da sua mãe em Xinjiang, com as mensagens impressas, ameaçando detê-la caso a filha não as apagasse.