Turquia promete responder à declaração “ultrajante” dos EUA sobre genocídio arménio

Parlamento turco deve dar uma resposta nos próximos dias, com alguns analistas a admitirem que os legisladores declarem o massacre dos povos nativos americanos como um genocídio.

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O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tentou convencer Joe Biden a não fazer a declaração Reuters/PRESIDENTIAL PRESS OFFICE

A declaração do Presidente dos EUA, Joe Biden, de que os massacres de arménios pelo Império Otomano constituíram um genocídio, é “simplesmente ultrajante” e a Turquia vai dar uma resposta “nos próximos meses”, disse o porta-voz da presidência da Turquia este domingo.

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A declaração do Presidente dos EUA, Joe Biden, de que os massacres de arménios pelo Império Otomano constituíram um genocídio, é “simplesmente ultrajante” e a Turquia vai dar uma resposta “nos próximos meses”, disse o porta-voz da presidência da Turquia este domingo.

No sábado, Biden rompeu com décadas de declarações cuidadosamente calibradas por parte da Casa Branca sobre os massacres de 1915, para deleite da Arménia e da sua diáspora, e com consequências imprevisíveis para as relações entre Washington e Ancara, ambos membros da aliança militar da NATO.

“Haverá uma reacção de diferentes formas, tipos e graus nos próximos dias e meses”, disse Ibrahim Kalin, porta-voz e assessor do Presidente Recep Tayyip Erdogan, à Reuters.

Kalin não especificou se Ancara vai restringir o acesso dos EUA à base aérea de Incirlik, no Sul da Turquia, que tem sido usada para apoiar a coligação internacional que luta contra o Daesh na Síria e no Iraque.

Depois de outras autoridades turcas terem condenado a declaração de Biden, no sábado, Erdogan disse que vai ocupar-se do assunto após uma reunião do seu gabinete na segunda-feira. “No momento e no local que considerarmos serem apropriados, continuaremos a responder a esta infeliz e injusta declaração”, disse Kalin.

A Turquia aceita que muitos arménios que viviam no Império Otomano foram mortos em confrontos com as forças otomanas na I Guerra Mundial, mas nega que as mortes tenham sido sistematicamente orquestradas e que constituam um genocídio.

Relações conturbadas

Ao longo de décadas, as propostas de reconhecimento do genocídio arménio estagnaram no Congresso dos EUA, e os Presidentes norte-americanos abstiveram-se de usar o termo controverso para que as relações com a Turquia não ficassem ainda mais tensas.

Mas as relações agravaram-se nos últimos tempos, com Washington a impor sanções à Turquia por causa da compra de sistemas de defesa russos, enquanto Ancara se irritou com o facto de os Estados Unidos terem armado combatentes curdos do YPG na Síria e não extraditado um clérigo que vive nos EUA e que a Turquia acusa de ter orquestrado a tentativa de golpe de 2016.

Gerir essas disputas será agora ainda mais difícil, disse Kalin. “Tudo o que negociarmos com os Estados Unidos será sob o pano de fundo desta lamentável declaração”, disse o responsável turco.

Resposta à letra

Kalin disse também que o Parlamento da Turquia deve fazer uma declaração nos próximos dias. Os analistas dizem que os legisladores podem responder a Biden com a classificação do tratamento dado aos povos nativos americanos pelos colonos europeus como genocídio.

Além de limitar o acesso a Incirlik, a Turquia tem como opções reduzir a coordenação militar com os Estados Unidos no norte da Síria e do Iraque, ou reduzir os esforços diplomáticos para apoiar as negociações de paz no Afeganistão, disse Ozgur Unluhisarcikli, director do grupo German Marshall Fund em Ancara.

Mas as opções de Erdogan são limitadas, no meio de uma das maiores taxas de casos diários de covid-19 em todo o mundo e de uma queda da lira turca para perto de seus mínimos históricos em relação ao dólar, na semana passada.

“Este é um período difícil para a Turquia, e não é um momento em que a Turquia queira começar uma luta com alguém, muito menos com os Estados Unidos”, disse Unluhisarcikli.

Kalin disse que as autoridades norte-americanas disseram à Turquia que a declaração não dá nenhuma base legal para possíveis pedidos de indemnização.

No entanto, Erdogan disse ao Presidente dos EUA, na sexta-feira – na primeira conversa entre os dois líderes desde que Biden assumiu o cargo, há três meses – que seria um “erro colossal” manter a declaração de genocídio.

“Reduzir tudo isto a uma palavra e tentar implicar que os turcos estavam envolvidos, que os nossos ancestrais otomanos estavam envolvidos em actos genocidas, é simplesmente ultrajante”, disse Kalin.