Violência e críticas a Obrador marcam manifestações do Dia da Mulher no México

Mais de 20 mil mulheres saíram à rua na segunda-feira e marcharam contra a violência de género. Na capital, o “muro da paz” que pretendia proteger o Palácio Nacional foi alvo de críticas e fez escalar a violência entre as manifestantes e os polícias.

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O Dia Internacional da Mulher foi marcado por intensas manifestações no México, com mais de 20 mil mulheres a caminharem pelas ruas em defesa dos seus direitos. Num país com uma média de dez feminicídios por dia, mulheres e grupos feministas fizeram-se ouvir na sua luta contra a desigualdade de género, assédio sexual e violência contra a mulher.

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O Dia Internacional da Mulher foi marcado por intensas manifestações no México, com mais de 20 mil mulheres a caminharem pelas ruas em defesa dos seus direitos. Num país com uma média de dez feminicídios por dia, mulheres e grupos feministas fizeram-se ouvir na sua luta contra a desigualdade de género, assédio sexual e violência contra a mulher.

Na Cidade do México, capital do país, a marcha chegou às portas do Palácio Nacional, que fora cercado antecipadamente na sexta-feira com um “muro da paz”, segundo as palavras do porta-voz do Presidente, com mais de dois metros de altura, “como precaução” para “defender o património”.

Onde o Governo e a polícia viram uma barreira de protecção – em que foram listados nomes de centenas de mulheres vítimas de violência – as manifestantes viram uma metáfora da forma como o Presidente Andrés Manuel López Obrador, que está à frente do país desde 2018, lida com a questão da violência de género: “Nós queremos que ele nos defenda da mesma forma que protege estes edifícios”, afirmou uma das milhares de manifestantes, Vania Palacios, citada pelo The Guardian.

Durante as três horas de confrontos diante da sede do poder executivo, nem o gás lacrimogéneo e spray de pimenta utilizados pela polícia, fizeram recuar as manifestantes.

Segundo fontes oficiais citadas pelo jornal mexicano El Universal, 62 polícias e 19 civis ficaram feridos, mas todos se encontram estáveis.

AMLO, como também é conhecido o Presidente, viu-se recentemente envolvido numa polémica apoiar Félix Salgado, o candidato do seu partido às eleições legislativas de Junho deste ano, no estado de Guerrero, no Sudoeste do país.

Salgado é alvo de acusações de violação vindas de cinco mulheres diferentes, mas AMLO, que as considera politicamente motivadas, mantém-se ao seu lado, salientando que os grupos feministas no México estão sob a manipulação dos seus opositores e que se regem por influências do estrangeiro.

Apesar de vir da ala esquerda – pertence ao partido Morena (Movimento Regeneração Nacional) –​ López Obrador é frequentemente ​associado a ideias conservadoras e acusado pelos grupos defensores dos direitos humanos de ignorar a gravidade da violência contra as mulheres vivida no México.

Os dados divulgados pelo Governo revelam que, só na segunda metade de 2020, cinco milhões de mulheres foram vítimas de agressões sexuais, das quais a maior parte não foi comunicada. Também 939 mulheres foram vítimas de feminicídios – homicídios especificamente cometidos contra mulheres – ao longo do ano passado, um número que cresceu cerca de 130% entre 2015 e 2020.

Com o número de vítimas a subir nos últimos anos, as mulheres têm vindo a criticar as decisões tomadas pelo Presidente, tais como o apoio a Félix Salgado, ou os cortes nos apoios financeiros destinados aos abrigos para as mulheres.

Também criticam a falta de iniciativa em aspectos como o aborto, que só foi legalizado na Cidade do México, em 2007, e no estado de Oaxaca, em 2019, sendo permitido até às 12 semanas.

“Macho AMLO”

Nas manifestações de segunda-feira, aos placares de “um violador não será governador” juntaram-se motes como “caladinhas não somos mais bonitas”. Também na sessão solene que houve em homenagem ao Dia da Mulher, diversas deputadas levaram cartazes a apelar ao fim do “muro do patriarcado”, de acordo com o El Universal.

A eleição de AMLO, em 2018, foi recebida com esperança por várias mulheres, pois este era associado a visões progressistas e anti-sistema. A nomeação de um número considerável de simpatizantes do feminismo para altos cargos também foi ao encontro das expectativas das mulheres.

No entanto, a esperança desmoronou-se e uma sensação de “traição” passou a ocupar o seu lugar. Sentem que o Presidente lhes “mentiu”, segundo as palavras de uma das manifestantes, Teresa Ramírez, citada pelo The Guardian.

Pensavam que as coisas iam ser diferentes, mas agora muitas se referem ao Presidente como “macho AMLO” e os protestos de segunda-feira comprovaram o descontentamento face ao Governo​.

As manifestações contra a violência de género no México têm vindo a ser frequentes, e a violência policial que geralmente daí resulta também tem sido investigada. A Amnistia Internacional divulgou um relatório no início de Março deste ano sobre cinco protestos levados a cabo por mulheres e grupos feministas em anos anteriores, retratando o uso e abuso de “violência sexual e física” por parte dos polícias.

“Durante as detenções, os polícias falaram às mulheres com uma linguagem violenta e sexualizada, ameaçaram-nas com abusos sexuais e sujeitaram-nas a violência física”, revelou Tania Reneaum Panszi, diretora-executiva da Amnistia Internacional México, num comunicado.

A procuradoria-geral da Cidade do México anunciou que vai abrir uma investigação para analisar os casos de violência entre a polícia e as manifestantes que marcharam no Dia Internacional da Mulher.

Texto editado por António Saraiva Lima