Vinte anos depois, o lado errado da ponte

Ninguém pode apagar a tragédia de há 20 anos, mas é bom constatar que o país aprendeu alguma coisa

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Nelson Garrido

“Estou do lado errado da ponte”. Há 20 anos, a primeira equipa de jornalistas do PÚBLICO enviada durante a noite para cobrir o desastre de Entre-os-Rios sofria na pele as dificuldades de acesso a um concelho como Castelo de Paiva. Tendo optado por ir pelo caminho mais rápido da altura, por Penafiel, chegou a esse beco sem saída que era a ponte caída e tendo constatado que a tragédia humana estava concentrada do outro lado, rapidamente se apercebeu que teria de fazer horas de viagem para conseguir passar o Douro.

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“Estou do lado errado da ponte”. Há 20 anos, a primeira equipa de jornalistas do PÚBLICO enviada durante a noite para cobrir o desastre de Entre-os-Rios sofria na pele as dificuldades de acesso a um concelho como Castelo de Paiva. Tendo optado por ir pelo caminho mais rápido da altura, por Penafiel, chegou a esse beco sem saída que era a ponte caída e tendo constatado que a tragédia humana estava concentrada do outro lado, rapidamente se apercebeu que teria de fazer horas de viagem para conseguir passar o Douro.

Nessa madrugada, o país acordou para mais um daqueles rebates de consciência, normalmente motivados por uma tragédia, que o faz encarar que há um país com cidadãos com os mesmos direitos que os outros que não tiveram a sorte de nascer do lado certo da ponte, ou seja, próximo do litoral. No caso, o choque ainda foi maior porque Castelo de Paiva nem sequer fica muito longe do Porto – da vizinha serra da Freita é possível ver o mar –, mas era um concelho servido por uma péssima rede viária.

Hoje, felizmente, o país não é o mesmo. Desde logo, já se chega mais depressa ao local, mesmo que os 8,8 quilómetros que faltam para ligar devidamente a nova ponte à A4 ainda estejam à espera dos dinheiros da “bazuca” europeia. Hoje, o país tem mais estradas e a Infra-estruturas de Portugal garante que 90% das obras estão em estado de conservação razoável ou bom e em 2021 está previsto um investimento de 35 milhões nesta área.

As cenas de socorro a que o país assistiu atónito, com corporações de bombeiros a acorrerem cheias de voluntarismo, mas com a Marinha a tomar conta das operações, também dificilmente são repetíveis. Hoje a Protecção Civil tem uma organização estruturada que permite pensar que uma tragédia semelhante teria uma resposta bem diferente.

Os mais de 80 milhões de euros investidos na sequência da tragédia também ajudaram Castelo de Paiva a levantar a cabeça, mas são curtos para inverter a tragédia silenciosa que muitos “Castelos de Paiva” sofrem num país demasiado desequilibrado entre o litoral e o resto. Em 20 anos, o concelho não conseguiu estancar a sangria e perdeu 10% da sua população, numa tendência que parece inexorável.

Ninguém pode apagar a tragédia de há 20 anos, como ninguém poderá devolver a Paulina os nove familiares que perdeu naquela noite fria. Mas é bom constatar que o país aprendeu alguma coisa, mesmo que seja quase sempre demasiado tarde para quem ainda continua do lado errado da ponte.