Magazino: “Muitas pessoas vivem o cancro em silêncio. Eu não. Quero passar uma mensagem de esperança”

A Luís Costa, conhecido como DJ Magazino, foi diagnosticada leucemia em 2019. Catorze meses depois — nove passados em internamento e com uma infecção por covid-19, que o levou ao coma, pelo meio —, acredita “piamente” que vai superar a doença e recusa-se a deixar a esperança desvanecer-se. Um testemunho na primeira pessoa feito a partir de entrevista para assinalar o Dia Mundial da Luta contra o Cancro.

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Nuno Ferreira Santos

“Fui diagnosticado com leucemia no dia 2 de Dezembro de 2019. Andava rebentado, extremamente cansado, mas pensava que era devido às viagens que andava a fazer: sou disc jockey e estava, nesses últimos meses, a tocar todos os fins-de-semana fora de Portugal. Muitas tournées, hotel para hotel, noites mal dormidas, almofadas diferentes... 

Quando regressei a Lisboa vindo de Viena fui ao hospital. Até fui a pé. Era segunda-feira de manhã e na quinta-feira tocava em Moscovo. Fui para ver o que tinha, para estar em condições para ir. Entrei na triagem e tinha 40 graus de febre. Achei estranho, porque o hospital até não é muito longe de casa. Ao fim do dia, a directora do hospital disse-me que tinha leucemia. Eu percebi ‘pneumonia’, e perguntei: ‘Como é que de hoje até quinta-feira me safo para poder ir a Moscovo?’ Ela respondeu-me: ‘Não percebeu bem. Está com leucemia, já não pode sair daqui.’ Agora estou a rir-me, mas na altura não teve piada nenhuma. Chorei muito. 

Nos primeiros meses, até Fevereiro ou início de Março, não estava a aceitar a doença. Estava resignado, quase à espera que a morte me batesse à porta. Foi em Março, numa semana em que quatro amigos me visitaram, que se fez luz. Mudei o mindset e aceitei o que me estava a acontecer. Interiorizei, e depois defini como objectivo superar a doença.

Desde então, a doença tem vindo sempre a piorar. E, apesar de estar aqui a falar a meio de uma transfusão de sangue, hoje em dia sinto-me melhor do que me sentia uns meses antes de me ter sido diagnosticado cancro. Sinto-me com muito mais força e muito mais vontade de viver.

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Magazino tem 43 anos e foi diagnosticado com leucemia há cerca de um ano. Nuno Ferreira Santos

O psicológico é metade da vitória nesta doença. É fundamental trabalhar a cabeça e o pensamento positivo. Muitas pessoas vivem a doença em silêncio, porque se sentem um pouco envergonhadas por dizerem que têm cancro. Eu combato isso. Isto não tem de ser vivido em silêncio.

Tornei a doença pública logo dois ou três dias depois de saber que estava doente, porque tinha uma série de trabalhos marcados e sabia que, se fosse cancelando, ia haver rumores de coisas falsas. Como trabalho à noite, iam dizer que estava em detox de drogas, ou com outro tipo de doença. Decidi expor-me e ainda bem que o fiz. Não me arrependo, tenho noção que tenho ajudado imensa gente. Quando vou à televisão, digo logo que não quero violinos ou pianos tristes. Quero passar essa mensagem de esperança. E sei que ela tem passado. Primeiro, porque é genuína, e depois porque a esperança é fundamental para os doentes como eu conseguirem ultrapassar a doença. Sei que nem sempre é possível, mas o poder do pensamento positivo tem muita, muita força. 

Neste momento estou a fazer quimioterapia mais para travar a doença do que para limpar a medula, porque já chegámos à conclusão de que isso não vai acontecer. Mas estou também a focar-me noutros tipos de terapias, como terapias holísticas, que partem de dentro para fora. Estou a curar traumas e recalcamentos do passado, que possam estar mal resolvidos, como forma de reequilibrar a energia dentro de mim. Faço cura energética, reiki, taças tibetanas, mudei a minha alimentação. Estou também a fazer medicina molecular, que actua directamente sobre as células — as cancerígenas e as saudáveis. Tenho plena convicção de que a fusão entre as terapias alternativas e a terapia convencional é a chave do sucesso e da minha cura.

No ano passado, em 12 meses, passei quase nove internado. E em fase covid-19, que não se pode receber uma única visita. É muito duro. Passei muito tempo no Santa Maria e aqui no IPO, então já é a minha segunda casa. Digo isto com orgulho, porque aqui sou muitíssimo bem tratado. Tenho feito grandes amigos. Não só auxiliares, enfermeiras e médicas, mas também colegas de internamento. Já me ri e já fiz rir bastante. Às vezes é difícil, porque a maior parte das pessoas é mais velha e está resignada, à espera da morte. Faço-as ver que o foco tem de ser sempre na solução e nunca no problema. Isso é a grande missão que tenho aqui, trazer esse espírito. Mesmo naqueles dias em que estou mais fodido, essa é a mensagem que procuro sempre passar. 

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Nuno Ferreira Santos

Durante o meu primeiro internamento, em Junho de 2020, no IPO, fiquei com covid-19. Fui transferido para o Santa Maria e ao fim de quatro dias entrei em coma, porque agravou-se muito. Só tenho duas lembranças durante um coma de trinta e tal dias: um vórtice de cores a girar à minha volta e lembro-me de ouvir água a bater com muita força, como numa praia. As cores tinham que ver com a quantidade de medicamentos que me deram, as ondas a bater têm que ver com o som do ventilador. Eu senti ondas a bater, mas um colega que estava ao meu lado sentiu que estava a chover. Tive um coma melhor do que o dele. A única vez que expressei uma reacção durante o coma foi quando me disseram que tinham encontrado um dador de medula 100% compatível. Esbocei um sorriso, sem abrir os olhos.

Quando me acordaram, não me reconheci durante um dia e meio — entrei no coma com cabelo e saí sem cabelo, porque estava a meio da quimioterapia. Perdi vinte e tal quilos, fiquei com 49. Só conseguia mexer as mãos: não conseguia falar, abrir uma garrafa de água, levar a comida à boca, escrever... O terapeuta pôs-me a andar em um mês e meio. Tenho muito a agradecer-lhes.

Superei todas as metas que tinha definido na minha cabeça. Pensei: vou demorar duas semanas até me conseguir mexer na cama; vou demorar três semanas até conseguir escrever. Além da fisioterapia, à noite, sozinho na cama, ainda tentava levantar garrafas de água, fazia tudo para poder sair o mais rapidamente possível daquela situação. Foram meses duríssimos e depois de sair de lá voltei para o IPO. Quando saí, foi como se tivesse saído da prisão. Fiquei emocionado.

O mais difícil de todo este processo é encontrar um dador 100% compatível — e acharam esse dador para mim. Mas para poder fazer transplante de medula óssea preciso que a minha medula esteja a fabricar no máximo 5% de células cancerígenas. A quimioterapia tenta matar as células boas e más e limpar a medula, de forma a ter o mínimo de células cancerígenas para poder fazer o transplante. Neste momento está em 17% — já esteve em 20% ou 30% ­— e há muito pouca esperança, ou nenhuma, que a quimioterapia consiga limpar de forma a baixar as células cancerígenas na minha medula. A minha medula vai sempre sobrepor-se à medula da pessoa que está a doar e isso pode provocar a morte. Mas acredito piamente que vou sobreviver, apesar de a ciência dizer que não tenho muitos mais meses de vida, salvo se aparecer alguma terapêutica dentro da quimioterapia que me consiga limpar a medula.

Há quase um ano decidi que ia escrever um livro e só agora é que decidi partilhar, porque já estou praticamente a acabá-lo. Estou muito contente com o que tenho escrito. O livro vai estar dividido em três partes: a parte do Luís, desde a infância, onde nasci, em Setúbal, e depois onde vivi, em Barcelona, no Porto e agora em Lisboa. Depois, a parte do Magazino, que é a parte maior: são 25 anos de carreira, onde falo sobre aventuras, viagens, histórias mirabolantes, muita estrada. A terceira parte do livro vão ser estes últimos meses, a luta que tenho travado contra a maldita leucemia.

Tenho uma sede incrível de viver. Se sobreviver, que acredito que sim, vou ser um gajo feliz e vou dar muito mais valor à vida. Aliás, já dou. Acordo, abro os olhos, mexo-me na cama, ponho os pés no chão, consigo andar, sou grato por isso. Sou feliz por conseguir – porque, enquanto conseguir andar, ninguém me vai parar. Enquanto conseguir caminhar, não há nada que me faça parar.”