O Alentejo deixou de ser maioritariamente vermelho em 2001

Não foi Ventura que aglutinou o voto maciço do eleitorado comunista. Tudo aponta para que tenha convencido mais o eleitorado de PS e PSD, que detêm 30 das 43 câmaras alentejanas.

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Nuno Ferreira Santos

A discussão sobre a origem dos votos dos eleitores alentejanos que “engordaram” a candidatura presidencial do líder do Chega prossegue nas conversas de rua ou nas redes sociais da região. Que eleitorado deslocou o seu voto para André Ventura, quando, só por detrás do anonimato se assume o voto no candidato do “tem avondo”, que significa no léxico tradicional baixo alentejano: já chega. O característico humor cáustico dos baixo-alentejanos fala na criação de um movimento espontâneo de cidadãos que pretende contrapor ao Chega o “tem avondo”.

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A discussão sobre a origem dos votos dos eleitores alentejanos que “engordaram” a candidatura presidencial do líder do Chega prossegue nas conversas de rua ou nas redes sociais da região. Que eleitorado deslocou o seu voto para André Ventura, quando, só por detrás do anonimato se assume o voto no candidato do “tem avondo”, que significa no léxico tradicional baixo alentejano: já chega. O característico humor cáustico dos baixo-alentejanos fala na criação de um movimento espontâneo de cidadãos que pretende contrapor ao Chega o “tem avondo”.

Na noite das eleições presidenciais, o presidente do PSD, Rui Rio, declarou que André Ventura fizera o que o seu partido nunca conseguira alcançar: o fim do domínio eleitoral comunista no Alentejo. A afirmação veio dar ainda mais força ao debate regional, sobretudo por não corresponder à verdade desde as eleições autárquicas de 2001, acto eleitoral que registou o início do declínio da maioria comunista na região.

Com efeito, o peso absoluto do PCP nos distritos de Beja e Évora tomou forma logo na sequência das primeiras eleições autárquicas realizadas em 1976. Neste ano com a sigla FEPU, obteve a maioria absoluta em 24 municípios, enquanto o PS contabilizou 16 e o PPD/PSD apenas um. Nas autárquicas de 1982 a então APU passou a presidir a 30 câmaras nos três distritos alentejanos, domínio que se manteve inalterado até às eleições de 2001. O PS obteve a maioria em 20 municípios e suplantou o PCP com apenas 16, pigmentando o Alentejo de cor-de-rosa. E nas últimas eleições a “hecatombe” afectou ainda mais a CDU. Neste momento tem a maioria em 11 municípios, o PS soma 26. Os movimentos independentes detêm a gestão de quatro municípios e o PSD de dois.

Foi neste universo eleitoral que André Ventura veio encontrar o sucesso eleitoral que deixou um lastro de eleitorado ou pesaroso, a reclamar com urgência uma coligação entre socialistas e comunistas, ou eufórico, com a ideia de que “agora é que vai”.

Analisando o somatório dos votos expressos em André Ventura nos 43 concelhos alentejanos, verifica-se que, naqueles com maioria socialista, o candidato do Chega mereceu a preferência de 12.743 eleitores, enquanto nos 11 concelhos de maioria comunista foram contabilizados 7960 votos. Nos concelhos geridos por movimentos independentes (4) a preferência dos eleitores pelo Chega atingiu 3387 votos. No distrito de Portalegre, em três municípios de maioria social-democrata, o contributo para a candidatura de André Ventura foi de 509 votos. Totalizando: 27.602 eleitores escolheram o candidato do Chega no Alentejo.

Quantos, deste total, poderão ter as hostes comunistas por proveniência? Comparando os resultados das candidaturas presidenciais do PCP em 2016 e 2021, verifica-se que, há cinco anos, Edgar Silva obteve no Alentejo 20.911, mais 3904 votos do que os alcançados por João Ferreira, que somou agora 17.007 votos.

João Pauzinho, responsável máximo pela Direcção da Organização Regional de Beja (Dorbe) do PCP apresentou ao PÚBLICO uma questão para a qual diz estar a aguardar resposta: “Para onde foram os votos de Sampaio da Nóvoa, Marisa Matias e de Maria de Belém” nas eleições de 2016, já que o score percentual então alcançado por Edgar Silva foi praticamente mantido em 2021?”

O dirigente regional do PCP considera “desonesto” dizer que os votos dos comunistas transitaram para o candidato do Chega, quando se verificou “apenas uma ligeira oscilação” entre 2016 e 2021, observa. Garantindo que essa deslocação “não se verificou”, sugere que “Rui Rio pergunte onde foram lançados os votos de Marisa Matias, os votos de Sampaio da Nóvoa e de Maria de Belém”. Retendo-se na votação de Marisa Matias, a única que se recandidatou, João Pauzinho pede que se analise a “substancial diferença de votos da candidata” apoiada pelo Bloco de Esquerda. Marisa Matias, que obteve, 19.260 votos (11%) no Alentejo em 2016, obteve no último domingo apenas 5108 votos (3,32%) na região.

Rui Rio, prossegue o responsável do PCP de Beja, “está possuído de um anticomunismo primário”, ao afirmar que o resultado de Ventura se deveu a anteriores eleitores comunistas. “É um discurso fácil e populista” conclui.

A análise de António Luís Dias, investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e na Universidade Nova de Lisboa, realça o “sucesso eleitoral de um fenómeno da direita radical” que demonstrou ser “um caso com poucos precedentes na nossa história.” Debruçando-se sobre a percentagem de votos no candidato André Ventura, bem como a média dos resultados eleitorais do PCP e do PSD mais o CDS-PP na última década, Luís Dias confirma que o candidato do Chega “teve uma maior proporção de votos no interior do país, sobretudo no interior alentejano e na região centro.” Mas alerta que “a tese da transferência de voto comunista no Alentejo para o Chega não parece verificar-se”. De facto, os concelhos alentejanos onde André Ventura “encontrou mais apoio são aqueles que, na última década, votavam menos no PCP.”