“Dirigentes activos” dos lares também estão a receber vacina contra a covid-19

Conhecidos mais dois casos de misericórdias alentejanas que vacinaram membros da direcção. Situações são consideradas admissíveis pelo presidente da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade e pelo líder da União das Misericórdias Portuguesas. Autoridades de saúde sem capacidade para fiscalizar abusos.

Foto
Daniel Rocha

Manuel Ruas é o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Messejana, no Alentejo, que detém um lar com 37 utentes. Na quinta-feira da semana passada, foi um dos que receberam, a par da sua vice-provedora, a primeira dose da vacina contra a covid-19, num grupo de mais de 60 pessoas composto essencialmente por utentes e trabalhadores do lar. Manuel Ruas não sente que transgrediu e recusa qualquer aproveitamento. “Não encapotei nada”, sublinha.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Manuel Ruas é o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Messejana, no Alentejo, que detém um lar com 37 utentes. Na quinta-feira da semana passada, foi um dos que receberam, a par da sua vice-provedora, a primeira dose da vacina contra a covid-19, num grupo de mais de 60 pessoas composto essencialmente por utentes e trabalhadores do lar. Manuel Ruas não sente que transgrediu e recusa qualquer aproveitamento. “Não encapotei nada”, sublinha.

Refere-se ao facto do seu nome e da sua vice constarem na lista que os lares são obrigados a enviar para as autoridades de saúde. Enviaram 99 nomes, com a indicação de quem eram os utentes do lar, do apoio domiciliário e do centro de dia, além dos funcionários que estão no activo e dos que estão de baixa. Foram validados 62 nomes, incluindo o seu e da sua vice-provedora.

Manuel Ruas garante que nos últimos meses se deslocou centenas de vezes ao lar para tratar das inúmeras tarefas que teve de resolver, como o plano de contingência ou a reformulação dos horários dos trabalhadores que passaram a trabalhar em espelho e congratula-se com o facto de, até agora, não ter tido nenhum caso positivo na instituição. Só deixou de ir ao lar este mês devido ao agravamento da pandemia. Reconhece que a vice-provedora “tem ido pouco”, mas argumenta que tem que começar a ir, já que é preciso por em marcha uma obra de 900 mil euros com financiamento já aprovado. “No início não pretendia ser vacinado, mas com o agravamento da situação cheguei à conclusão que tinha que haver uma cúpula vacinada”, afirma Ruas.

Já depois de tomar a vacina, na sexta-feira passada, o provedor recebeu uma informação da Segurança Social a alertar as direcções dos lares e das unidades de cuidados continuados para que incluíssem na vacinação prioritária utentes e profissionais. Não se fala em dirigentes.Tarde demais para Manuel Ruas que garante que falou com vários colegas de outras misericórdias e que todas vacinaram duas a três pessoas da direcção, as que tinham mais contacto com os utentes. E até deu exemplos: a misericórdia de Aljustrel e a de Almodôvar.

Na primeira ainda não chegou a ser vacinada qualquer pessoa porque, entretanto, surgiu um surto que obrigou a suspender o processo. Da lista de nomes constava de facto uma pessoa da chamada “mesa administrativa”, a tesoureira, que foi incluída porque é enfermeira e presta voluntariado na instituição, como a própria explicou ao PÚBLICO. Na de Almodôvar, a directora técnica do lar reconhece que foram vacinadas duas pessoas da direcção por “frequentarem a instituição com frequência”, sem precisar que cargo ocupam.

Tanto o presidente da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade (CNIS), Lino Maia, como o líder da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel Lemos, consideram admissível que sejam incluídos na primeira fase de vacinação dirigentes destes organismos que “estejam em contacto com os utentes”. Lino Maia apelida-os de “dirigentes activos” que, diz, muitas vezes são voluntários a tempo inteiro. Afirma que se considera dentro dessa categoria, mas esclarece que não pretende ser vacinado nesta fase. “Não quero aparecer perante a minha consciência como um privilegiado”, justifica.

Lino Maia não quer, no entanto, comentar ou até servir de interlocutor com o vice-presidente da CNIS, Eleutério Alves, provedor da Santa Casa de Bragança, onde os sete membros da direcção terão sido todos vacinados. O PÚBLICO insistiu com esta misericórdia para obter esclarecimentos sobre o caso, tenda a porta-voz da instituição, Eugénia Pires, recusado pronunciar-se sobre o assunto: “Apenas posso dizer que todo o processo decorreu dentro da normalidade e legalidade.”

Contactado pelo PÚBLICO, Francisco Ramos, coordenador da task force criada pelo Governo para gerir o plano de vacinação contra a covid-19, não quis falar em casos concretos e remeteu para o conteúdo do próprio documento os esclarecimentos sobre esta questão. Este determina que devem ser vacinados na primeira fase os “profissionais e residentes de lares e instituições similares”. Nunca se fala em dirigentes. Rui Nogueira, até há dias presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, explica que os agrupamentos de centros de saúde, onde são geridos a nível local a distribuição e a toma das vacinas, não têm capacidade para fiscalizar quais são os trabalhadores e os dirigentes dos lares que de facto têm contacto com os utentes. Resta o bom senso de quem gere estas instituições.