Polícia de Singapura pode usar dados da app nacional para travar a covid-19

Singapura é um dos países onde mais pessoas usam uma app para travar a pandemia da covid-19. Os dados pessoais recolhidos (número de telemóvel do utilizador e identificador único) podem ser usados na investigação de “crimes sérios”.

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Pessoas passeio à margem do distrito de negócios de Singapura Kevin Lam/Reuters

A aplicação móvel de rastreio de contactos de covid-19 usada na Singapura tem sido alvo de fortes críticas na última semana depois de o governo do país confirmar que os dados dos cidadãos que usam a aplicação TraceCovid (equivalente à portuguesa StayAway Covid) podem ser utilizados pela polícia.

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A aplicação móvel de rastreio de contactos de covid-19 usada na Singapura tem sido alvo de fortes críticas na última semana depois de o governo do país confirmar que os dados dos cidadãos que usam a aplicação TraceCovid (equivalente à portuguesa StayAway Covid) podem ser utilizados pela polícia.

A informação foi avançada esta segunda-feira pelo site especializado Engadget que reparou que uma actualização na política de privacidade da TraceCovid permitia às autoridades de Singapura aceder aos dados da app. Antes do dia 4 de Janeiro, o site oficial da app dizia que os “dados pessoais recolhidos” (número de telemóvel e identificador único) não seriam partilhados com outros utilizadores e “apenas seriam usados para rastreio de contactos”. Agora lê-se que os dados podem ser usados “em circunstâncias em que a segurança dos cidadãos tenha sido afectada ou possa ser afectada.”

O parágrafo terá aparecido depois do ministro dos Assuntos Internos, Desmond Tan, notar durante uma conferência de imprensa que a polícia podia aceder aos dados da app em caso de emergência.

A informação surpreendeu os utilizadores. Tal como muitos outros países, o governo de Singapura lançou a TraceTogether para tentar diminuir o número de contágios de covid-19 no país com ajuda dos telemóveis nos bolsos de grande parte dos cidadãos. Só que contrariamente à grande maioria dos países (em que adesão está longe de chegar aos 50%), em Singapura a app tem sido um sucesso. 

Actualmente, há mais de 3,8 milhões de pessoas a usar a TraceTogether — isto equivale a quase 68% da população. O número subiu depois de o governo do país sugerir que a adesão em massa da app poderia acelerar o alívio de restrições. Contrariamente à congénere portuguesa, pode usar-se o sistema através do telemóvel ou através de um token dado pelo Governo às pessoas com mais de sete anos que não querem, não têm, ou não sabem usar um telemóvel.

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Cuidados a ter com o "token" DR

As apps europeias podem seguir o exemplo?

Para motivar a instalação, o governo de Singapura assegurou que os dados nunca seriam usados para fins fora do controlo da pandemia. É uma promessa que também foi feita na Europa. 

Em Março, a Comissão Europeia publicou um conjunto de regras para aplicações que recolhem dados dos utilizadores para combater a covid-19. Além de definir regras de privacidade e dizer que os doentes com covid-19 nunca poderiam ser identificados, a Comissão Europeia deixou claro que as aplicações teriam de ser suspensas quando deixassem de ser necessárias.

“O que temos da União Europeia são orientações. A UE não tem o poder de interferir directamente nas decisões do país”, lembrou, no entanto, Jorge Bacelar Gouveia, professor catedrático de Direito e advogado numa conversa com o PÚBLICO em Outubro “Estamos numa situação de emergência e pode ser necessário restringir alguns direitos em liberdade em prol da segurança.”

Só que as apps que são criadas com tecnologia da Google e da Apple (como é o caso da StayAway Covid) também têm de obedecer às regras das tecnológicas que dizem que os dados recolhidos para as apps não podem ser usados para outros fins. 

Singapura diz que uso dos dados segue a norma

Esta terça-feira, o ministro dos Assuntos Estrangeiros da Singapura, Vivian Balakrishnan, clarificou que o facto dos dados da TraceTogether poderem ser usados em caso de emergência não é uma excepção. Todos os dados recolhidos no país podem ser utilizados pelas autoridades quando estão a investigar crimes sérios.

“Há outros exemplos de dados sensíveis como registos telefónicos ou bancários [que são utilizados]”, explicou Balakrishnan. O ministro sublinha que são casos muito raros e que quando a pandemia estiver controlada a app TraceTogether poderá ser desmantelada.

Nas redes sociais, alguns utilizadores na Singapura partilharam imagens em que desinstalam a app — ​algo que deverá eliminar todos os dados que app tem destas pessoas.