Sonhos autobiográficos de Abel Ferrara

Próximo dos onirismos fellinianos e da psicanálise pessoal à la Oito e Meio.

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Desde que se radicou em Roma (Welcome to New York, o seu óptimo filme de 2014 sobre as desventuras de Dominique Strauss-Kahn foi, afinal, um goodbye New York), Abel Ferrara converteu-se em cineasta europeu, com um conjunto de filmes (Pasolini, Tommaso) que não apenas respondem a um universo cultural diverso do que foi o dele durante décadas como marcam também uma ruptura com os traços essenciais do que fez antes. Siberia, feito outra vez com a participação do seu principal parceiro neste novo período (Willem Dafoe, outro exilado voluntário em Roma), leva isso a um extremo inédito — se Tommaso ainda se podia aproximar de uma tradição americana de fazer cinema cara a Ferrara (é o mais “cassaveteano” dos seus filmes), Siberia está mais próximo dos onirismos fellinianos e da psicanálise pessoal à la Oito e Meio, ou de uma certa influência (visual, sobretudo) de cineastas do leste europeu, do que de qualquer coisa com escola americana, e embora haja quem tenha falado em Lynch a propósito do filme isso virá mais da associação de ideias de quem vê do que de uma real influência de Lynch sobre Ferrara. A chave parece-nos felliniana, de facto: com um duplo no ecrã — Dafoe é aqui o seu Mastroianni — o cineasta ex-novaiorquino passa em revista, numa espécie de teatro pessoal em nenhures (a Sibéria do título não tem que corresponder a uma Sibéria autêntica mas apenas a uma “ideia”, um ermo, um destino de deportados e exilados involuntários), uma série de aspectos relacionados com a sua autobiografia (com a mais que provável colaboração, em certas cenas, da autobiografia de Willem Dafoe, porque a “co-criação” parece aqui ainda mais nítida do que em Tommaso).

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Desde que se radicou em Roma (Welcome to New York, o seu óptimo filme de 2014 sobre as desventuras de Dominique Strauss-Kahn foi, afinal, um goodbye New York), Abel Ferrara converteu-se em cineasta europeu, com um conjunto de filmes (Pasolini, Tommaso) que não apenas respondem a um universo cultural diverso do que foi o dele durante décadas como marcam também uma ruptura com os traços essenciais do que fez antes. Siberia, feito outra vez com a participação do seu principal parceiro neste novo período (Willem Dafoe, outro exilado voluntário em Roma), leva isso a um extremo inédito — se Tommaso ainda se podia aproximar de uma tradição americana de fazer cinema cara a Ferrara (é o mais “cassaveteano” dos seus filmes), Siberia está mais próximo dos onirismos fellinianos e da psicanálise pessoal à la Oito e Meio, ou de uma certa influência (visual, sobretudo) de cineastas do leste europeu, do que de qualquer coisa com escola americana, e embora haja quem tenha falado em Lynch a propósito do filme isso virá mais da associação de ideias de quem vê do que de uma real influência de Lynch sobre Ferrara. A chave parece-nos felliniana, de facto: com um duplo no ecrã — Dafoe é aqui o seu Mastroianni — o cineasta ex-novaiorquino passa em revista, numa espécie de teatro pessoal em nenhures (a Sibéria do título não tem que corresponder a uma Sibéria autêntica mas apenas a uma “ideia”, um ermo, um destino de deportados e exilados involuntários), uma série de aspectos relacionados com a sua autobiografia (com a mais que provável colaboração, em certas cenas, da autobiografia de Willem Dafoe, porque a “co-criação” parece aqui ainda mais nítida do que em Tommaso).