Mortes de religiosos, mosteiros em quarentena: Igreja Ortodoxa grega criticada por desvalorizar covid-19

A Grécia passou a primeira vaga com poucos casos, mas não escapou da segunda. Entre as vítimas estão padres que defendiam que a comunhão protegia de doenças, incluindo a provocada pelo coronavírus.

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Cemitério em Salónica: o número de vítimas da pandemia está a aumentar ALEXANDROS AVRAMIDIS/Reuters

A Igreja Ortodoxa grega está a ser criticada pelo modo como os seus líderes abordaram a pandemia na Grécia, desvalorizando a sua importância, ridicularizando o uso de máscaras, ou incentivando mesmo a comunhão, em que os fiéis recebem pão e vinho da mesma colher.

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A Igreja Ortodoxa grega está a ser criticada pelo modo como os seus líderes abordaram a pandemia na Grécia, desvalorizando a sua importância, ridicularizando o uso de máscaras, ou incentivando mesmo a comunhão, em que os fiéis recebem pão e vinho da mesma colher.

O país, onde a Igreja tem um grande poder de influência e património (e onde oito em cada dez pessoas diz que a religião é uma parte importante da sua vida), geriu bem a primeira vaga da pandemia, que afectava duramente muitos outros países europeus. Mas a situação descontrolou-se, e esta quinta-feira a Grécia registava 1535 novos casos e 81 novas mortes.

Um confinamento em que estão fechadas escolas, restaurantes (funcionam apenas com refeições para fora), bares, tribunais e estâncias de ski vai manter-se até 7 de Janeiro, com o Governo a ponderar se permite reabertura das igrejas. As autoridades de saúde notam que as medidas permitiram apenas uma estabilização do número de casos de infecção, e não, ainda, a sua descida.

Depois da última reunião entre o primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis e o arcebispo Ieronymus, em meados de Novembro, o chefe de Governo teve de ser testado, já que o arcebispo adoeceu dias mais tarde com covid-19, chegando a estar internado. Ieronymus recuperou, mas entre outros doentes na hierarquia da Igreja, já houve vítimas mortais, entre elas o bispo Ioannis, de Lagadas, perto de Salónica, cidade no Norte actualmente muito afectada.

O número de casos entre os clérigos não é divulgado (alguns encaram a doença como uma “questão pessoal”), mas há suficientes para serem considerados um problema. O Monte Athos, lugar de reclusão conhecido pela sua proibição de entrada de mulheres (e animais fêmeas), teve um surto, e há neste momento seis mosteiros em quarentena. 

Semanas antes, dezenas de monges tinham-se juntando para uma liturgia contra a pandemia, sem usar máscara nem manter distância.

Este foi um dos exemplos de desrespeito de regras impostas pelas autoridades de saúde pela Igreja Ortodoxa, mas há mais. Algumas igrejas têm aberto, apesar de deverem estar fechadas, para que os fiéis possam fazer a comunhão. Uma igreja foi condenada a uma multa de 1500 euros por ter aberto ilegalmente, e o padre está a tentar que sejam os fiéis a pagar a multa.

“Alguns clérigos, incluindo em alas posições na hierarquia, parecem agir como se achassem que são imunes à doença”, disse ao New York Times George Demacopoulosco-director do Centro de Estudos Ortodoxos Cristãos na Universidade de Fordham (EUA). “Estamos a ver os resultados desastrosos desse tipo de pensamento.”

Apesar de o arcebispo Ieronymus, que lidera a instituição, ser considerado um moderado que pediu o respeito das regras das autoridades de saúde, muitos outros têm seguido um caminho diferente.

O Santo Sínodo (organismo decisor da igreja ortodoxa) queixou-se recentemente de uma fixação “neurótica” na comunhão – em que é usada a mesma colher para dar aos fiéis o pão embebido em vinho da mão do clérigo, e por isso alvo de muita atenção.

Um porta-voz do Santo Sínodo apresentou a comunhão não só como isenta de riscos como benéfica, embora só para crentes, que comungando ficariam protegidos de todas as doenças, incluindo da covid-19. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a saliva é um dos modos privilegiados de transmissão do vírus, mas muitos epidemiologistas gregos evitam abordar esta prática.

Uma consultora de saúde do Governo, Eleni Yiamarellou, disse mesmo que a prática não acarretava risco. Sondagens mostram que a maioria dos gregos percebe que isto não é verdade: sete em cada dez gregos acredita no risco posto pela comunhão (e uma percentagem igual diz que o comportamento da Igreja perante a pandemia tem sido irresponsável).

As críticas vêm também da própria instituição: um bispo, Athimos, de Alexandroupolis, condenou os líderes religiosos que com “sermões criminosos” incentivaram os gregos a ignorar as instruções das autoridades. “Escondemos o facto de termos sido infectados pelo vírus e de termos ido para a campa”, disse num artigo. “O egotismo pio mata.”

Antes de adoecer, Ieronymus dissera numa carta ao primeiro-ministro que a Igreja “não poderia aceitar” estar fechada no período do Natal. As medidas ainda estão a ser decididas.

Apesar de nas missas muitos padres terem minimizado o perigo da pandemia ou terem mesmo feito troça de quem usava máscara, as autoridades esperam ajuda da Igreja para um próximo passo na luta contra a pandemia. O ministro da Saúde, Vasilis Kikilias, dizia esta quinta-feira estar confiante de que a Igreja, e os partidos da oposição, iriam apoiar a campanha de vacinação contra a covid-19.

A Igreja Ortodoxa grega não é a única com problemas com a covid-19, noutros países dos Balcãs, líderes religiosos, muitos idosos, têm sido vítimas da pandemia.

No espaço de um mês, morreram dois patriarcas ortodoxos: o do Montenegro, Amfilohije, 82 anos, e o da Sérvia, Irinej, 90 anos.

O patriarca sérvio foi um dos vários líderes religiosos contraíram o vírus no funeral de Amfilohije, em que estiveram centenas de pessoas, muitas delas tocando e beijando o corpo do clérigo morto. Amfilohije chegou a dizer, lembra o Los Angeles Times, que grandes encontros religiosos eram “a vacina de Deus”.

Um dos líderes religiosos sérvios que participou no funeral de Irinej, o bispo David, foi também infectado com o coronavírus que provoca a covid-19.