Governos aceitam discutir a concorrência fiscal desleal na Europa

Bruxelas quer analisar efeitos nocivos de algumas estruturas dos sistemas fiscais. Governos da UE concordam com o princípio; falta começar a olhar para os detalhes.

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Miguel Feraso Cabral

Os governos europeus aceitaram o repto da Comissão Europeia e deram um passo em frente para discutir as características de alguns sistemas fiscais que facilitam a concorrência desleal no interior da União Europeia (UE).

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Os governos europeus aceitaram o repto da Comissão Europeia e deram um passo em frente para discutir as características de alguns sistemas fiscais que facilitam a concorrência desleal no interior da União Europeia (UE).

O Conselho da UE deu a conhecer na sexta-feira o resultado das discussões que os ministros das Finanças têm mantido sobre a orientação das políticas fiscais para a Europa e sinalizou que os governos concordam que essa discussão “deve abranger também as características dos sistemas fiscais que têm aplicação geral e que podem ter efeitos nocivos” do ponto de vista da concorrência entre Estados-membros.

Os governos querem começar esse debate até 2022, o que exigirá a Lisboa um acompanhamento próximo desses trabalhos, pois na primeira metade de 2021 Portugal assume a Presidência rotativa do Conselho da UE.

Com esta abertura, os governos dão seguimento ao desafio que a Comissão Von der Leyen lançou em Julho para a UE modernizar um instrumento jurídico chamado “código de conduta no domínio da fiscalidade das empresas”, uma grelha de análise técnica que os Estados-membros criaram há 23 anos para decidir se um determinado regime fiscal na Europa é ou não prejudicial.

Para a Comissão, fazer essa reforma significa clarificar o conceito de “concorrência fiscal prejudicial”, ou seja, estabelecer novos princípios comuns, pois considera que o código actual “apenas incide sobre medidas e regimes fiscais específicos” e, com a globalização, a digitalização e o crescimento das multinacionais, “os países utilizam cada vez mais as estruturas gerais dos seus sistemas fiscais para fazer concorrência fiscal”.

Com essa orientação marcada a partir de Bruxelas, o Conselho dos ministros das Finanças veio agora dizer que “aprova o caminho” escolhido para começar a discutir “o âmbito do mandato do grupo do código de conduta “logo que ocorram desenvolvimentos relevantes a nível internacional”. Mas se esse debate (no G20 e na OCDE) não der frutos nos termos em que os governos esperam que tal aconteça, dizem, a discussão europeia deve fazer o seu caminho. Quando? “O mais tardar no início de 2022”.

Não se sabe até onde chegará, mas sabe-se que o Conselho “concorda” com a Comissão Europeia quando esta defende que a discussão sobre o alargamento do âmbito do mandato do código de conduta deve incluir uma análise sobre o impacto das características dos sistemas fiscais no mercado interno.

Limitar isenções fiscais

A Comissão lembrava em Julho que, desde a sua criação do código em 1997, já foram “avaliados mais de 400 regimes fiscais na UE, dos quais cerca de 100 foram considerados prejudiciais”, mas, dizia, “a escalada e evolução da concorrência fiscal” estão a testar os limites da equidade na Europa e é preciso alterar o âmbito desta grelha técnica para “abranger mais tipos de regimes e aspectos gerais dos sistemas nacionais de tributação das sociedades, bem como impostos pertinentes para além do imposto sobre as sociedades”.

O que é que, do ponto de vista da Comissão Europeia, pode favorecer práticas fiscais se não houver determinadas salvaguardas? Há casos em que isso se materializa quando as “regras específicas em matéria de residência fiscal” resultam “numa dupla não-tributação ou em isenções fiscais para os rendimentos estrangeiros”.

O código funciona desde 1997 “com base na premissa de que, embora a concorrência fiscal entre países não seja problemática por si só, é necessário haver princípios comuns sobre a medida em que podem usar os seus regimes e políticas fiscais para atrair empresas e lucros”, algo que é “particularmente importante no mercado único, em que as liberdades consagradas no Tratado [da UE] aumentam a mobilidade dos lucros e do investimento”.

Hoje, é também é relevante para a própria UE poder olhar para os países terceiros e avaliar se um determinado centro financeiro é ou não um “paraíso”, se é ou não cooperante para efeitos financeiros e fiscais.

Berlim antevê acordo

Além desta questão, os governos europeus também se congratularam com as discussões feitas ao nível da OCDE para criar um “quadro internacional de tributação das sociedades” (IRC). O Conselho espera que seja encontrada uma solução internacional “o mais tardar em meados de 2021” e “recorda que o Conselho Europeu irá avaliar a questão em Março de 2021”, numa altura em que Lisboa estará a presidir ao Conselho da UE.

Por agora, sob Presidência alemã, os governos pedem à Comissão Europeia “que se empenhe nesses trabalhos preparatórios” no que toca à tributação da economia digital, para o caso de não haver um consenso já em meados do próximo ano.

Olaf Scholz, ministro alemão das Finanças e vice-chanceler no Governo de coligação de Angela Merkel, mostra-se optimista. “Estou confiante de que podemos chegar a um acordo global no verão do próximo ano”, disse, citado num comunicado do Conselho da UE.