Depois do isolamento, o cérebro fica “esfomeado” por interacções sociais

Novo estudo sugere que a necessidade de interacções sociais é representada no nosso cérebro de forma semelhante à de quando temos fome. Equipa apela a que se preste atenção à saúde mental na actual pandemia.

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Fibras do cérebro Omid Sani/Maryam Shanechi

O que acontece no nosso cérebro depois de ficarmos algum tempo sozinhos? Um novo estudo publicado na revista científica Nature Neuroscience sugere que, após ficarmos em isolamento, o desejo por interacções sociais é neurologicamente muito semelhante à vontade de comer depois de fazermos jejum. Ou seja, depois de estarmos muito tempo sozinhos, o nosso cérebro fica “esfomeado” por interacções sociais. A equipa salienta que este estudo mostra como a interacção social pode ser uma necessidade humana básica.

Uma investigação anterior já tinha identificado um grupo de neurónios no cérebro de ratinhos que geram um “impulso” para a interacção social após o isolamento desses animais. Também estudos em humanos tinham mostrado que a privação de contactos sociais pode levar a problemas emocionais. Mas qual é a base de tudo isso? Foi o que uma equipa que tem como principal autora Livia Tomova, agora na Universidade de Cambridge (Reino Unido), quis perceber melhor.

Para isso, o grupo de cientistas confinou 40 voluntários saudáveis (sobretudo estudantes universitários) num espaço sem janelas no campus do Instituto de Tecnologia do Massachusetts (MIT), nos EUA, durante dez horas. Na altura deste estudo, Livia Tomova era investigadora no MIT. Não era permitido que os participantes usassem telemóvel, mas o espaço tinha um computador para que pudessem contactar com os investigadores, caso precisassem. 

Depois dessas dez horas de isolamento, analisou-se o cérebro de cada participante com uma máquina de imagem por ressonância magnética. Ao mesmo tempo, eram mostradas aos voluntários imagens das suas actividades sociais preferidas. Tudo isto foi desafiante, porque esta análise teve de ser feita sem qualquer contacto social e, por isso, cada participante aprendeu a usar a máquina sem a ajuda dos cientistas. Pediu-se ainda que os voluntários fizessem jejum durante um dia (no dia seguinte ao do isolamento). Desta vez, durante o exame por ressonância magnética foram-lhes mostradas imagens das suas comidas preferidas.

Durante o estudo, a equipa olhou em concreto para a substância negra, uma parte do cérebro onde se produz dopamina (envolvida em comportamentos de recompensa). Verificou-se então que esta parte do cérebro responde de forma semelhante depois do isolamento e após o jejum. “Quando uma pessoa ficava isolada, esta área do cérebro mostrava uma maior actividade em resposta a fotografias de outras pessoas e não a imagens com comida”, explica Livia Tomova, que realizou este trabalho antes da actual pandemia. “Quando alguém tinha feito jejum, a substância negra mostrou também uma maior actividade em resposta a fotografias com comida e não a fotografias com outras pessoas.”

Viu-se ainda que as respostas no cérebro dos participantes à apresentação de imagens com comida e interacções sociais eram mais semelhantes entre si do que as respostas perante imagens de flores, que não despertavam qualquer desejo. 

Por tudo isto, a equipa sugere então que a necessidade de nos conectarmos uns com os outros é representada nos nossos cérebros de uma forma semelhante à de quando temos fome. “Nos nossos cérebros, a fome e a solidão parecem muito semelhantes, o que sugere que a necessidade de relacionamento poderá ser uma necessidade humana básica”, considera Livia Tomova.

Saúde mental na pandemia

Ao longo da investigação, verificou-se ainda que as respostas dependiam também dos níveis de isolamento na vida de cada um dos participantes. Se uma pessoa já estivesse habituada a ficar isolada antes do estudo, tinha desejos de interacção social mais fracos do que uma pessoa com uma maior vida social. A equipa também olhou para outras áreas do cérebro, mas acabou por concluir que a substância negra é a que representa uma resposta neuronal mais geral para os desejos de comida ou de interacções sociais. As restantes áreas estudadas eram mais específicas para cada um desses desejos. 

E quais poderão ser as consequências de um desejo de interacção social insaciável? Livia Tomova responde que tudo depende se conseguimos mesmo satisfazer as nossas interacções sociais quando estamos desejosos por elas. “Uma consequência do desejo social pode ser uma forte necessidade de interagir com os outros, mas se conseguimos satisfazer essa necessidade tudo pode voltar ao normal.” Caso esse desejo social não possa ser satisfeito, podemos desenvolver mecanismos compensatórios e procurar outras recompensas para preencher esse vazio, refere a cientista. 

Com a necessidade de ficarmos mais tempo em casa devido à actual pandemia, os efeitos do isolamento na saúde mental também têm sido questionados. Livia Tomova nota que, precisamente com este estudo, se demonstra que os nossos cérebros são muito sensíveis à solidão – já que se viram efeitos com apenas dez horas de isolamento. “Em tempos de distanciamento social, devemos prestar uma especial atenção ao bem-estar e saúde mental das pessoas”, apela. E acrescenta que, se há pessoas que estão com as suas famílias ou que têm acesso a tecnologias, há outras que não têm essa possibilidade. “As pessoas que vivem sozinhas e não têm acesso a tecnologias digitais deverão estar a viver uma versão extrema do distanciamento social, o que poderá afectar a sua saúde mental.”