A luta é o futuro, Louisville é um combate

Para o jovem “campeão” de boxe de Louisville Demontaze ‘Juicy’ Duncan, na política como no pugilismo só pode haver um vencedor e um derrotado. Por isso, está em “combate” contra Donald Trump.

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Antes dos treinos, ‘Juicy’ Duncan, que já venceu cinco vezes o título Golden Glove (Luva de Ouro), competição regional de boxe dos estados do Kentucky, Indiana, Virgínia Ocidental e Ohio, começa os seus dias a fazer campanha pelo Partido Democrata, em Louisville.

O trabalho político é bater à porta de cerca de 200 casas por dia e garantir a “promessa” de que os eleitores democratas - que ainda não votaram nas presidenciais – “vão mesmo” dirigir-se às assembleias de voto nos próximos dias.

‘Juicy’ Duncan, órfão de mãe desde os cinco anos, encontrou o “diabo” nas ruas e passou por muitas casas de acolhimento e instituições para jovens com problemas de violência, acabando por ser adoptado aos 15 anos pelo “treinador branco” Nicholas Bareis que “aposta” tudo no jovem pugilista “que vai ser o próximo campeão do mundo”.

“Este é o primeiro round para ‘bater’ Donald Trump”, diz ‘Juicy’ Duncan antes de começar a percorrer o subúrbio de classe média de Middletowon, arredores de Louisville, habitado maioritariamente por brancos, mas onde vivem também muitos afro-americanos.

Cada vez que consegue uma resposta afirmativa, ‘Juicy’ Duncan cerra o punho em gesto de vitória e segue para outra casa com aquela estranha forma de andar dos pugilistas que mexem os ombros e a cabeça lentamente de cada vez que põem um pé no chão.

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O pugilista Demontaze “Juicy” Duncan janta com o seu treinador e guardião legal, Nicholas Bareis, na sua casa em Louisville
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Demontaze “Juicy” Duncan participa como voluntário da campanha democrata numa recolha de informação dos eleitores registados no partido, nos arredores de Louisville

O Kentucky é o estado do republicano Mitch McConnell, o senador mais antigo dos Estados Unidos em funções, sendo que o Presidente Donald Trump tem uma vantagem de quase 30% sobre o rival do Partido Democrata, Joe Biden, nas sondagens a nível estadual para as presidenciais de 3 de Novembro.

“Aqui em Louisville, no estado do Kentucky, vivemos dias complicados depois da morte de Breonna Taylor, abatida pela polícia e o pessoal negro está descontente”, explica ‘Juicy’ Duncan.

O segundo round, de acordo com o campeão de boxe, é “não esquecer” a questão do racismo e a “violência” contra a comunidade afro-americana que representa cerca de 30% da população de Louisville.

O pugilista de 18 anos prepara-se para vencer o título nacional de boxe na categoria de super-médios no campeonato que vai decorrer no Louisianna (o USA National Championship), no Sul dos Estados Unidos, entre os dias 5 e 12 de Dezembro.

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O pugilista de 18 anos tem a ambição de vencer o título nacional de boxe na categoria de super-médios

“Na política combate-se de outra forma, mas, como no boxe, não há meio-termo e Trump tem de perder. Bastavam-me três rounds”, ironiza o atleta sem explicar a táctica e virando as costas para seguir para outra casa como se estivesse a entrar num ringue.

Demontaze ‘Juicy’ Duncan acredita que tem o destino traçado como campeão do mundo de boxe depois de ter vencido todos os prémios do Midwest dos Estados Unidos e derrotando os “diabos” da vida.

“Adoro combater, adoro entrar em combate com outras pessoas e esta é a forma de entrar em acção sem me meter em problemas. Adoro a competição”, diz à Lusa o pugilista afro-americano de Louisville, que se prepara para os campeonatos nacionais em Dezembro e depois de ter vencido um título internacional na categoria de super-médios.

O boxe é mais do que um desporto e teve um lugar central muito relevante na mentalidade da sociedade norte-americana, sobretudo junto das classes trabalhadoras, entre os anos 1920 e 1970, tendo sido tanto ou mais popular do que o futebol ou o basebol actualmente.

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Os nomes dos pugilistas Muhammad Ali (1942-2011), natural de Louisville, Joe Frazier, Floyd Preston ou Sonny Liston fazem parte da cultura popular dos Estados Unidos, muitas vezes encarados como figuras complexas, mas que acabaram por marcar as questões raciais e políticas do país durante várias décadas.

Por causa de Muhammad Ali, Louisville é uma cidade marcada pelo boxe sobretudo junto das populações mais desfavorecidas da zona oeste e sul, junto ao rio Ohio.

“A minha vida é um combate. Isto é uma arte e foi também uma forma de eu fugir das minhas confusões. Em vez de me meter em confusões, meti-me dentro de um ringue. Adoro lutar contra outras pessoas. Aliás, a minha vida é um combate”, afirma ‘Juicy’ Duncan durante uma pausa do treino com outros três jovens pugilistas que fazem parte da equipa formada pelo treinador Nicholas ‘Nick’ Bareis.

O “futuro campeão do mundo” acaba de deixar fora de combate Troy, 17 anos, outro membro da equipa de pugilistas, que quase “vai ao tapete” depois de um “gancho” e um soco directo no nariz e nos lábios.

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Nassel , Troy e Demontaze "Juicy" Duncan no ginásio Champ Camp

O treino teve de parar ao quarto round dando descanso aos outros três atletas: Troy que recupera do soco; Nassel, 15 anos e que se prepara para combater contra ‘Juicy’ Duncan e Joseph, o mais jovem também com 15 anos e que treina incansavelmente nos sacos de boxe pendurados no tecto.

Duncan não é muito alto, mas tem um soco do punho direito “extremamente potente” e, por isso, tem de saber “destruir a defesa” do adversário obrigando-o a baixar a guarda ao mesmo tempo em que dá uma meia volta como fazem os toureiros em Espanha para depois disparar em cheio, como se fosse uma tourada”, explica o treinador num canto do ringue.   

O “campeão” treina duas vezes por dia: de manhã e ao princípio da noite, primeiro sozinho e depois com mais três companheiros no ringue da escola de boxe Champ Camp, na zona baixa de Louisville, ou na cave da casa do treinador transformada em ginásio.

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“Sinto-me muito bem a praticar boxe e é muito difícil, por isso estou sempre a praticar porque é a única forma de me manter em forma”, diz ‘Juicy’ Duncan que além de pugilista e “futuro campeão do mundo” é, “por opção própria”, activista político e membro da campanha de Joe Biden no Kentucky.

Numa cidade marcada pelo racismo e pela violência policial, na casa dos Bareis não há distinção nem de cores e todos são livres de pensar como querem e “acreditarem no deus” que quiserem. Demontaze “que nunca teve uma família” vive no quarto do primeiro andar frente ao alpendre com duas janelas para o jardim da casa dos Nicholas e Sean Bareis. 

“Ele teve uma vida muito dura, mas tomou decisões e foi somando um dia bom a outro dia bom e agora é um atleta número um. Tem um carácter muito forte”, diz Nicholas Bareis enquanto ajuda a preparar o jantar para um total de quatro atletas que acabam de treinar na rua e no ginásio improvisado na cave da casa.

O filho adoptivo do treinador vai concorrer ao campeonato nacional e é um dos 65 pugilistas da categoria super-médios (69,85 quilogramas).

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Neste momento, é um pugilista “número um e vai mudar agora para a divisão de elite que começa a competir-se a partir dos 18 anos de idade”.

“Até ao momento Demontaze ‘Juicy’ Duncan venceu quatro luvas de ouro [Golden Gloves] nos campeonatos regionais que englobam vários e venceu o título Ringside Worldchampionship [prémio internacional] e vários títulos no campeonato nacional dos Estados Unidos, para a idade dele. Ele é uma estrela”, diz o pai adoptivo.       

O escritor norte-americano Norman Mailer (1923-2007) no livro O Combate, sobre Muhammad Ali, nota que “o pugilista além dos treinos pesados “encara a verdadeira dimensão do aborrecimento e do tédio que provocam muita impaciência, violência e um profundo ódio pela derrota”.

“Há qualquer coisa de especial nas pessoas que praticam boxe que não se pode explicar. São determinados e não têm medo”, diz Nicholas Bareis durante o jantar “com a família” de pugilistas.

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Demontaze “Juicy” Duncan tira uma garrafa de água do seu frigorifico após um dia como voluntário da campanha do partido democrata e duas sessões de treino
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O jovem pugilista treina com os seus amigos na arrecadação da sua casa onde vive com o seu treinador e guardião legal

Demontaze é o primeiro a terminar a refeição.

“Ele devia comer mais devagar, mas tem de telefonar à namorada até às dez da noite. O pai dela não a deixa falar com ele mais tarde. São as regras”, explica o pai durante o jantar em que se fala de política, economia, boxe e música.

O dia do campeão chega ao fim, as luvas de combate estão amontoadas num cesto e um comboio apita na noite ao cruzar a zona industrial de Louisville.

Dentro de casa ouve-se um tema de Curtis Mayfield - People Get Ready - pela voz de Pat Bareis, o pai do treinador, um popular cantor de música soul do Kentucky.    

“Ele vai ser profissional e campeão do mundo. Nós estamos preparados”, diz o treinador, professor e pai de ‘Juicy’ Duncan na altura em que o pugilista fecha a porta do quarto.

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Demontaze “Juicy” Duncan fala com a sua namorada no seu quarto decorado com imagens do seu ídolo Muhammad Ali

Entretanto, o combate é político e o último round travam-se na próxima terça-feira, “a nível nacional”. As eleições estão marcadas para 3 de Novembro.