BE critica desvio de recursos para os privados, e PCP quem quer “descredibilizar” o SNS

Em resposta à carta aberta que lhe foi dirigida pelo bastonário e ex-bastonários da Ordem dos Médicos, a ministra da Saúde disse não querer ser “empurrada”.

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Ministra da Saúde diz que não quer ser empurrada para um acordo entre SNS e privados Paulo Pimenta

O Bloco de Esquerda não gostou de ouvir o Presidente da República garantir que já estão a ser feitos os contactos entre o SNS e os privados para envolver estes últimos na resposta à crise pandémicaA proposta não é bem vista pelo partido, que critica tanto a intenção de desvio dos recursos públicos como a falta de estratégia do Governo. O PCP, por seu lado, prefere ignorar Marcelo e apenas criticar o que diz ser uma “operação concertada de um conjunto de sectores que procuram, a pretexto de problemas reais, descredibilizar o SNS para se fazer a transferência para o privado”.

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O Bloco de Esquerda não gostou de ouvir o Presidente da República garantir que já estão a ser feitos os contactos entre o SNS e os privados para envolver estes últimos na resposta à crise pandémicaA proposta não é bem vista pelo partido, que critica tanto a intenção de desvio dos recursos públicos como a falta de estratégia do Governo. O PCP, por seu lado, prefere ignorar Marcelo e apenas criticar o que diz ser uma “operação concertada de um conjunto de sectores que procuram, a pretexto de problemas reais, descredibilizar o SNS para se fazer a transferência para o privado”.

​“Sabemos que, se houver um agravamento da situação, já há contactos que permitem a colaboração de outros sectores, nomeadamente privado e social, mas privado em particular, com o SNS em termos de internamento e de cuidados intensivos, quer quanto a doentes covid quer quanto a doentes não covid”, declarou Marcelo Rebelo de Sousa na quinta-feira.

O recurso ao sector privado da saúde na resposta à pandemia parece não ser a primeira opção da ministra da Saúde, Marta Temido, que se queixou de estar a ser “empurrada” em direcção a um acordo entre o sector público e o privado. Em causa está o pedido feito numa carta aberta do bastonário e ex-bastonários da Ordem dos Médicos, dirigida à governante da pasta da Saúde, na qual é defendida a necessidade de o Estado envolver o sector privado na resposta à crise pandémica.

Em conversa com o PÚBLICO, o deputado bloquista Moisés Ferreira nota a crescente pressão não só nos internamentos, mas também nos cuidados de saúde primários [centros de saúde], que são responsáveis pelo acompanhamento das pessoas que em casa em quarentena e pede mais recursos e mais orçamento para o Serviço Nacional de Saúde (SNS). Defende que o SNS precisa de mais recursos e de mais orçamento na resposta à pandemia, mas também para que os utentes não vejam as suas consultas e exames remarcados e adiados. “É preciso aumentar a capacidade de resposta.”

“O que a carta do bastonário e ex-bastonários da Ordem dos Médicos defende é retirar recursos e orçamento do SNS para transferir para as entidades privadas. Isso é uma má solução e um caminho errado”, avalia Moisés Ferreira. Para o deputado, desviar os recursos do SNS para contratação de privados resultará em menos orçamento para o sector público. “É isso que é preciso neste momento? Não me parece. Parece-me errado e vai ao arrepio do que é necessário neste momento”, considera.

Além disso, o parlamentar critica a actuação do sector privado em resposta à pandemia, lembrando os “elevados” preços cobrados pelos testes de diagnóstico à covid-19. “No início, durante muito tempo, o sector privado estava a cobrar 100 euros ao SNS por testes quando se sabia que o custo do teste seria metade desse valor”, exemplifica.

O deputado deixa também críticas ao Governo por não ter “nem reforçado, nem preparado o SNS para este momento difícil” que o país atravessa. “Toda a gente sabia que este momento ia chegar e que a segunda vaga era uma probabilidade muito grande e iria coincidir com o momento da gripe. Não me parece que tenha havido uma preparação de recursos para acautelar este momento”, acrescenta. “A solução é aumentar o orçamento do SNS para aplicar no próprio SNS e não para subtrair para outras entidades exteriores”, conclui.

Solução é “reforçar e investir”, diz o PCP

A mesma argumentação é usada pelo PCP. A deputada Paula Santos recorda que “a primeira fase da pandemia teria corrido muito pior se não tivéssemos o SNS com a filosofia que temos: universal, geral e público”, ao passo que muitos equipamentos privados “reduziram a actividade ou fecharam portas” e ainda hoje, vinca, “rejeitam doentes e grávidas com covid”.

“Não acompanhamos a contratualização nem a agregação [dos serviços] com os grandes grupos privados. A pandemia tem servido para muitos fazerem pressão para a transferência dos cuidados de saúde para o privado”, critica Paula Santos. A vice-presidente da bancada comunista admite que o SNS “tem problemas estruturais há muito tempo - falta de profissionais, obsolescência dos equipamentos, falta de infra-estruturas como hospitais e centros de saúde - que a pandemia só agravou”.

A resposta, porém, não é o Governo virar-se para o privado, mas sim o “reforço e o investimento no SNS”, nas equipas, no equipamento, na valorização das condições de carreira para que os profissionais queiram continuar no sistema público, defende a deputada do PCP. Que insiste: “A solução não é desviar recursos públicos para o privado; é investir no SNS para garantir o atendimento e acompanhamento devido de todos os doentes, sejam de covid ou não, possam ou não pagar.” Paula Santos lembra que as propostas do PCP para a compensação a todos os profissionais pelo risco a que estão sujeitos na pandemia e o reforço de contratações - imprescindíveis para, por exemplo, retomar actividades suspensas nos hospitais e centros de saúde, foram chumbadas.

Questionada sobre uma avaliação da reacção da ministra Marta Temido aos apelos dos bastonários dos médicos ou da forma como Marcelo deu um passo largo para a frente nesta matéria, a comunista Paula Santos prefere criticar a “operação concertada” para “descredibilizar o SNS e se transferirem valências para o privado”.