Uma oportunidade para dar o pontapé inicial num aumento massivo de investimento em saúde mental

Uma sociedade esclarecida sobre saúde mental pouparia milhões ao Estado. E sofreria menos. Nos tempos que correm nunca será demasiado sobrevalorizar a sanidade mental da sociedade.

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Priscilla Du Preez/Unsplash

Porque está a acontecer uma pandemia, a saúde mental, que já vinha de trás a espreitar ainda a medo, começou finalmente a estar mais presente quer nos media quer nas conversas do dia a dia.

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Porque está a acontecer uma pandemia, a saúde mental, que já vinha de trás a espreitar ainda a medo, começou finalmente a estar mais presente quer nos media quer nas conversas do dia a dia.

Saúde mental! Num repente, todos temos uma a defender, a proteger. Tal e qual como a física. De igual para igual. Mas, na prática, nunca foi nem é assim por continuar a ser fortemente estigmatizada num mundo iliterado nesta matéria particularmente em Portugal. O nosso país não está sozinho, apenas pior do que muitos.

Por cá, onde os nomes associados à doença mental são muitas vezes usados como insulto ao próximo (não vou exemplificar, tod@s os conhecem), estamos a atravessar um período dicotómico. Se por um lado a vergonha, estigma, preconceito e iliteracia subsistem em percentagens ainda totalmente inaceitáveis por falta de vontade política e investimento económico sério e imprescindível, por outro temos uma população a consumir ansiolíticos como se não houvesse amanhã, prescritos em sede de médico de família, comentando o quão “doentes da cabeça andam” nos transportes públicos enquanto, por tudo e nada, se dizem depressivos ou ansiosos. Do “está tudo bem” quando não está ao “estou com uma depressão que nem imaginas” quando também não será o verdadeiro diagnóstico, vai de uma pernada. Passámos ao país da trágica dicotomia.

Outra vez: tudo (ou muito) se resolveria com vontade política e investimento económico. Uma sociedade esclarecida sobre saúde mental pouparia milhões ao Estado. E sofreria menos. Nos tempos que correm nunca será demasiado sobrevalorizar a sanidade mental da sociedade. Para a ajudar à resiliência dos tempos imprevisíveis que vivemos, porque não há saúde sem saúde mental, já é tempo de pôr as frases cliché em prática.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) é peremptória quando escreve no seu site: “A saúde mental é uma das áreas mais negligenciadas da saúde pública. Quase um bilhão de pessoas vivem com um transtorno mental, três milhões de pessoas morrem todos os anos devido ao uso nocivo do álcool e uma pessoa morre a cada 40 segundos por suicídio. E agora, bilhões de pessoas em todo o mundo foram afectadas pela pandemia covid-19 que está a ter um impacto adicional na saúde mental das pessoas.” (sic).

Mas alguém quer ainda saber do que a OMS diz? Tenho lido comentários atrozes sobre esta e outras instituições. Porque estão erradas? Não. Porque são formais. E porque já tiveram tempo, espaço e oportunidade para fazer mudanças que não foram feitas. Porque, digo eu, leiga, terão de responder perante “poderes políticos superiores” onde a saúde mental só entra para a fotografia – quando entra.

Vamos falar claro e claramente: costumo dizer quando falo pelo meu Festival Mental – Cinema, Artes e Informação que a saúde mental é saúde pública. A saúde mental não se pode confundir com doença mental mas as duas podem andar de braço dado, de forma saudável. Tod@s temos, já tivemos ou vamos ter sofrimento psicológico, problemas de saúde mental durante o nosso período de vigência como seres humanos. Faz parte da nossa vida.

O que procuramos fazer no Festival Mental, sem qualquer rede de apoio político e económico, apenas como cidadãos pertencentes à “sociedade civil”, é a promoção e prevenção da saúde mental. Procurar a literacia, combater o estigma e a começar desde os mais pequeninos com o nosso Mental Júnior. Usando sempre a plataforma da Cultura (cinema, teatro, dança, M-Talks, literatura, música, etc.) como palco principal. E temos como objectivo conseguir apoios para levar o festival a todo o país, poder realizá-lo em pelo menos todas as capitais de distrito ao longo do ano. Para isso seria necessário o interesse das autarquias, ou de empresas ditas com “responsabilidade social” que claramente se viram apenas para o futebol e concertos rock. Branding, naming e massificação como formas de alienação social têm funcionado mas estão a ficar obsoletas. Tal como a educação. Há muito para mudar!

Porque falar de emoções, aceitá-las, aprender a viver e lidar com elas, trará no futuro resistência às frustrações e capacidade de resiliência num mundo claramente em decadência de valores, empatia, onde se procura o “ter” em vez do “ser”, onde para nada interessa a meritocracia quando deus se tornou um híbrido entre poder e dinheiro. Totalmente desapegado do ser humano, das emoções, dos sentires, dos afectos. Nem tod@s precisam de um deus, mas este mundo obriga-nos a viver com estes.

No Dia Mundial para a Saúde Mental vamos celebrar! Vamos arregaçar as mangas de uma vez por todas e garantir que a vergonha fique de lado, que os homens também choram, que tratar da nossa saúde mental mental é ser-se forte e não fraco. E vamos exigir um aumento massivo de investimento em saúde mental. Temos em Portugal um excelente Programa Nacional que tem de seguir em frente, na totalidade e reforçado. Ser posto em prática. E deixar que seja ainda mais exigente.

Podemos confiar. Se nos deixarem, a todos, trabalhar. Para bem de uma sociedade que vai enfrentar desafios cada vez mais exigentes e para os quais não está, nem pode estar, preparada. É um mundo novo. E nós somos apenas maravilhosamente humanos.