Um belo adormecido no hip-hop português

A prometedora estreia do jovem Wake Up Sleep no microfone é uma lufada de ar fresco nas rimas & batidas deste ano.

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Uma harmonia minalista em contracorrente com o espalhafato bacoco que reina na esmagadora do hip-hop mainstream Lily Kashunattsu

Quando um dia perguntaram a Rakim pela sua primordial inspiração na hora de começar a rappar, a resposta daquele que é um dos pioneiros na sofisticação da construção rimática (métrica, fonética, polissemia, figuras de estilo) no hip-hop foi esta: John Coltrane. O modo de articular palavras, ideias, sons, sentidos, de serpentear por entre batidas e acordes, graves e agudos, baixos gordos e teclas melífluas, de encadear sussurros com verbalizações ferozes e assertivas, slang de rua e palavreado erudito, tudo isso, disse Rakim, foi beber ao saxofone do homem de quem um dia ele e o irmão estancaram ao ouvirem My Favorite Things. Do sopro das notas (que também falam, claro) de Coltrane para o sopro das palavras (que tantas melodias, literal e não literalmente, geram) de Rakim, então: o que faz do álbum de estreia como rapper de Wake Up Sleep — jovem de Sintra já velho nestas andanças como beatmaker (sob outros pseudónimos: Taser, Sleepinpatterns) e co-fundador da editora/colectivo Slow Habits — um dos registos jazzísticos mais interessantes já ouvidos no hip-hop português não é tanto o seu fundo musical (abundante, de resto, em numerosos outros produtores e rappers portugueses), mas o seu modo de atacar o microfone.

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Quando um dia perguntaram a Rakim pela sua primordial inspiração na hora de começar a rappar, a resposta daquele que é um dos pioneiros na sofisticação da construção rimática (métrica, fonética, polissemia, figuras de estilo) no hip-hop foi esta: John Coltrane. O modo de articular palavras, ideias, sons, sentidos, de serpentear por entre batidas e acordes, graves e agudos, baixos gordos e teclas melífluas, de encadear sussurros com verbalizações ferozes e assertivas, slang de rua e palavreado erudito, tudo isso, disse Rakim, foi beber ao saxofone do homem de quem um dia ele e o irmão estancaram ao ouvirem My Favorite Things. Do sopro das notas (que também falam, claro) de Coltrane para o sopro das palavras (que tantas melodias, literal e não literalmente, geram) de Rakim, então: o que faz do álbum de estreia como rapper de Wake Up Sleep — jovem de Sintra já velho nestas andanças como beatmaker (sob outros pseudónimos: Taser, Sleepinpatterns) e co-fundador da editora/colectivo Slow Habits — um dos registos jazzísticos mais interessantes já ouvidos no hip-hop português não é tanto o seu fundo musical (abundante, de resto, em numerosos outros produtores e rappers portugueses), mas o seu modo de atacar o microfone.