Ser Português no estrangeiro por via da nossa língua e cultura

Para haver Comunidades Portuguesas, para que Portugal continue a existir além-fronteiras através da sua gente, será essencial que haja vontade política para proporcionar um Ensino de Português no Estrangeiro inclusivo e consciente da importância de construirmos uma comunidade nacional sólida dentro e fora de Portugal.

A última década e meia tem sido sinónimo de uma profunda remodelação do Ensino de Português no Estrangeiro (EPE). Uma reforma que encontra as suas premissas no Programa do XVII Governo Constitucional (período 2005-2009), no qual constava o propósito de “reforçar a utilização do português como língua de comunicação internacional”, ampliando a sua projeção à escala mundial. Esse desejo concretizou-se com a implementação de várias medidas, entre as quais o Decreto-Lei 165/2006, o QuaREPE, ou ainda a transferência de tutela do EPE, em 2009, do Ministério da Educação (ME) para o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).

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A última década e meia tem sido sinónimo de uma profunda remodelação do Ensino de Português no Estrangeiro (EPE). Uma reforma que encontra as suas premissas no Programa do XVII Governo Constitucional (período 2005-2009), no qual constava o propósito de “reforçar a utilização do português como língua de comunicação internacional”, ampliando a sua projeção à escala mundial. Esse desejo concretizou-se com a implementação de várias medidas, entre as quais o Decreto-Lei 165/2006, o QuaREPE, ou ainda a transferência de tutela do EPE, em 2009, do Ministério da Educação (ME) para o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).

Quando há vontade política, os resultados podem aparecer rapidamente. E a verdade é que, passados 15 anos, pode-se considerar que os objetivos fixados foram alcançados com bastante sucesso: um país de pequena dimensão como o nosso conseguiu dar uma maior dimensão internacional à língua portuguesa. Reforçou-se o soft power de Portugal. E ganhou todo o povo português.

Quase todo. Porque houve quem tenha sido marginalizado com tais políticas externas: os portugueses “invisivéis”, os “esquecidos” luso-descendentes residentes no estrangeiro.

Primeiramente, com a transferência de tutela do ME para o MNE, o Orçamento do Estado para o EPE diminuiu 50% em dez anos: de 41,4 milhões em 2006 para cerca de 20 milhões em 2016.

Em segundo lugar, o mais importante: a primazia nas políticas de EPE passou a ser a integração do Português nos currículos escolares de países terceiros. Em outras palavras, prioritizou-se o ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE), tendo tal política tido o efeito de extinguir paulatinamente o ensino de Português como Língua Materna (PLM), modalidade de ensino dirigida a crianças portuguesas e luso-descendentes. Essa estratégia foi, aliás, explicitamente assumida pela então presidente do Instituto Camões no início de 2010: “o ensino de português enquanto língua materna pode acabar em alguns países porque o objectivo é a sua integração nos sistemas de ensino no estrangeiro.

Assim, os 393.296 portugueses que, segundo a Pordata, emigraram de forma permanente nos últimos dez anos, vêem-se negados de uma modalidade que lhes seria a mais apropriada: o PLM.

E se bem que o PLM possa não ser a modalidade apropriada para crianças portuguesas ou luso-descendentes que não falam, de todo, português em casa, também não será apropriado infligir-lhes o PLE, uma modalidade prevista para estrangeiros, na qual não constam objetivos pedagógicos que procuram promover uma ligação com Portugal através do ensino da nossa história ou da nossa geografia, entre outras disciplinas.

Aplicar políticas que nos permitam sermos portugueses, apesar de termos nascido no estrangeiro, é abrir uma janela de oportunidades a Portugal nas áreas da cultura, da economia, da política, da ciência e mesmo do desporto. Esse gigantesco potencial, também este no domínio do soft power, permanece pouco explorado.

Mas não é de todo incompatível continuarmos a explorar o (bom) trabalho que foi feito no sentido de fortalecer a internacionalização da língua portuguesa junto de populações estrangeiras, ao mesmo tempo que se (re)descobre políticas ambiciosas de ensino de português para os cinco milhões de portugueses e luso-descendentes residentes no exterior.

E também não é de todo incompatível aplicar duas políticas de EPE bem distintas, dirigidas a dois público-alvos bem diferentes, através de um espetro institucional adequado. O PLE, destinado a estrangeiros, poderá continuar a acumular vitórias na tutela certa: o Ministério dos Negócios Estrangeiros. O Português como Língua Materna ou de Herança, dirigido a um público jovem em situação diaspórica, poderá voltar a brilhar na tutela em que sempre fez sentido estar: o Ministério da Educação.

Uma política ambiciosa no Ensino de Português para as Comunidades Portuguesas poderá rapidamente tornar-se num precioso investimento. Basta vermos o quanto Portugal procura apoio económico dos portugueses residentes no estrangeiro neste período tão particular. Mas para haver Comunidades Portuguesas, para que Portugal continue a existir além-fronteiras através da sua gente, será essencial que haja vontade política para proporcionar um EPE inclusivo e consciente da importância de construirmos uma comunidade nacional sólida dentro e fora de Portugal.