O pior pintor do mundo

Fico geralmente indiferente à “reabilitação” dos pintores menores, mas faço minha uma opinião de João Miguel Fernandes Jorge: “Podemos sempre retirar prazer de uma tábua pintada, mesmo sendo má pintura”. A segunda de uma série de crónicas dedicadas à pintura.

Foto
1 — Santa Escolástica, Santa Eufémia e São Mauro, pintura de Diogo Teixeira, c.1595-97, Museu e Arte Sacra do Mosteiro de Arouca

Era uma santa de aspecto juvenil, coroada e quase em meio corpo, com uma discreta palma de martírio e, do lado oposto, aflorando, o que me pareceu ser uma cabeça de leão. Formato pequeno, suporte em madeira, moldura banal, talvez um fragmento de retábulo de igreja (ainda do século XVII?). No entanto, pelo que desde logo se constatava, muito mal pintado. Os portadores, um jovem casal (ou irmãos), tinham chegado à recepção do museu sem contacto prévio, o que, não sendo prática habitual de coleccionador, os desqualificava. Dizerem-me ao que vinham foi muito breve e previsível: peça há muito na família, certamente muito antiga, um falecido tio (que tinha estudos) crendo que fosse de importância, não havia intenção de a vender, mas… quanto valeria? O conservador afivelou no rosto a máscara da complacência e lá tentou explicar que a sua função não era a de avaliador, que ali era mais tentar perceber a época e o autor, ou as eventuais ligações a outras obras, que a parte dos cifrões teria de ser com os antiquários ou as leiloeiras. “Pois, replicaram, já entendemos. Mesmo assim não pode adiantar-nos, mais ou menos, um valor? E o museu não estará interessado?”. Não estava, claro. A conversa não ia por bom caminho, como é de supor, mas pouco mais se pôde adiantar. De súbito, a jovem disse disfarçadamente ao parceiro: “Anda, temos de ir embora! Está quase na hora de a velha acordar!”. Saíram quase de roldão. Deu para perceber que uma pobre anciã da família estava em vias de ser espoliada da santa de sua maior devoção.

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Era uma santa de aspecto juvenil, coroada e quase em meio corpo, com uma discreta palma de martírio e, do lado oposto, aflorando, o que me pareceu ser uma cabeça de leão. Formato pequeno, suporte em madeira, moldura banal, talvez um fragmento de retábulo de igreja (ainda do século XVII?). No entanto, pelo que desde logo se constatava, muito mal pintado. Os portadores, um jovem casal (ou irmãos), tinham chegado à recepção do museu sem contacto prévio, o que, não sendo prática habitual de coleccionador, os desqualificava. Dizerem-me ao que vinham foi muito breve e previsível: peça há muito na família, certamente muito antiga, um falecido tio (que tinha estudos) crendo que fosse de importância, não havia intenção de a vender, mas… quanto valeria? O conservador afivelou no rosto a máscara da complacência e lá tentou explicar que a sua função não era a de avaliador, que ali era mais tentar perceber a época e o autor, ou as eventuais ligações a outras obras, que a parte dos cifrões teria de ser com os antiquários ou as leiloeiras. “Pois, replicaram, já entendemos. Mesmo assim não pode adiantar-nos, mais ou menos, um valor? E o museu não estará interessado?”. Não estava, claro. A conversa não ia por bom caminho, como é de supor, mas pouco mais se pôde adiantar. De súbito, a jovem disse disfarçadamente ao parceiro: “Anda, temos de ir embora! Está quase na hora de a velha acordar!”. Saíram quase de roldão. Deu para perceber que uma pobre anciã da família estava em vias de ser espoliada da santa de sua maior devoção.