Povos indígenas: somente uma coalizão nacional e internacional pela segurança sanitária poderá salvá-los

Apenas uma coalizão que atinja este nível de comoção nacional e poder multilateral internacional pode interromper as políticas de morte que cercam os povos indígenas. É urgente.

A parca informação que chega da Amazônia indica que o atendimento médico aos povos indígenas está próximo do colapso. É urgente uma coalizão nacional e internacional pela segurança sanitária dos povos e territórios indígenas para evitar um genocídio.

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A parca informação que chega da Amazônia indica que o atendimento médico aos povos indígenas está próximo do colapso. É urgente uma coalizão nacional e internacional pela segurança sanitária dos povos e territórios indígenas para evitar um genocídio.

Essa coalizão deve ter como objetivos centrais o enfrentamento às causas que agravam a vulnerabilidade dos povos originários. Entre elas, as invasões de terras indígenas, responsáveis pela morte biológica, econômica e cultural dos povos da floresta e comunidades ribeirinhas.

Também é preciso formular diretrizes para uma política de saúde indígena que requalifique as condições materiais dos distritos sanitários locais e suas relações com os organismos de saúde dos Estados e municípios e do governo federal. Todos os níveis de governo devem se engajar na proteção das vidas indígenas e dos agentes de saúde que atendem essas populações.

É urgente repensar práticas de assistência à saúde indígena que contemplem os contextos culturais, sociais e econômicos dos povos da floresta. Essas diretrizes deverão orientar as políticas de saúde para que, a partir dos cuidados durante a pandemia, sejam formados e fortalecidos os centros de resolução de saúde dentro dos próprios territórios indígenas, o que não acontece.

Uma causa dessa dimensão não pode ter limites nacionais ou estar submetida a querelas locais. A mobilização parte de lideranças indígenas em seus diferentes níveis de representação e articulação interna e externas. E dirige-se aos poderes constituídos, passando pelo Judiciário, Executivo e Legislativo, sem deixar de incluir as instituições religiosas, acadêmicas, científicas e a sociedade civil. Todos devem clamar por justiça, direitos e proteção à vida dos povos originários.

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Wanda Ortega, 32, da etnia Witoto, protesta em frente ao Pronto Socorro Delphina Aziz, centro de atendimento para vítimas da covid-19 em Manaus, durante a visita do então ministro da Saúde Nelson Teich. Na ocasião, o prefeito Arthur Virgílio Neto relembra que Teich prometeu ‘ênfase especial’ contra o novo coronavírus em relação a indígenas Edmar Barros

As populações indígenas, sem acesso aos devidos cuidados de saúde e vítimas de invasão pelos criminosos que sempre lucram com a destruição da floresta e dos povos, estão novamente enfrentando o risco de genocídio. Esse quadro obriga uma escalada do âmbito local para a denúncia e o clamor pela justiça em nível internacional.

A coalizão que ora se apresenta pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), organizações indígenas de base, entidades indigenistas como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), instituições científicas como a Fundação Oswaldo Cruz e universidades brasileiras, revela o abandono e a condição precária de vidas indígenas entregues ao próprio destino, além de clamar por proteção aos vivos e por justiça aos que se foram. Aos organismos internacionais, missões e instituições humanitárias, lembramos que o apoio técnico e político de órgãos multilaterais é imprescindível.

Referimo-nos a recursos, mecanismos, condições materiais, assistência médica especializada e logística para enfrentar as estratégias de silenciamento e marginalização das políticas de extermínio que a pandemia da covid-19 acentuou. É necessário pleitear reparações sobre as vidas perdidas e impedir os ataques da exploração predatória e do flagelo imposto às populações indígenas em virtude da contaminação pelo coronavírus.

Em outras palavras, pedimos apoio político para a sobrevivência presente e futura da organização da vida social e das condições necessárias à proteção de saúde e reprodução demográfica das etnias e povos. Como exemplo, lembramos a proteção multilateral que arbitra a relação dos Waimiri Atroari com a sociedade brasileira, desde o massacre promovido pelo Estado para a construção da estrada BR-179 e a usina hidrelétrica de Balbina.

O descaso com a saúde da população amazônica exemplifica as relações espúrias entre o governo federal e a região Norte, a mais afetada do país em termos proporcionais. Para piorar o quadro, há ainda o problema das subnotificações e da vulnerabilidade nas comunidades indígenas locais frente ao coronavírus. A Coiab, que realiza contagem independente da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), afirma que, até 9 de junho, foram registradas 228 mortes por covid-19 e 2908 casos confirmados da doença entre os povos originários na região – a Sesai contabiliza oficialmente 82 óbitos e 2085 infecções para o mesmo período. A política atual não só proporciona a redução de vida, mas a redução de direitos.

A pandemia também atinge o cotidiano dos não-indígenas, que, em alguns casos, migram para comunidades ribeirinhas buscando segurança sanitária em povoados menores e com menos circulação e aglomeração de pessoas. Além disso, o transporte fluvial irregular tem sido apontado como um dos fatores da dispersão da covid-19 no interior. 

A disseminação no interior das comunidades leva o avanço da enfermidade ao Vale do Javari, apesar dos alertas. É a região com maior densidade de povos isolados do planeta, e possui mais de dois mil quilômetros quadrados, com mais de seis mil habitantes. A maioria deles em isolamento voluntário. Temos o dever moral de proteger a saúde e as suas escolhas de viver sem contato com nossa sociedade. O risco apontado para o Vale do Javari é grave.

Apenas uma coalizão que atinja este nível de comoção nacional e poder multilateral internacional pode interromper as políticas de morte que cercam os povos indígenas. É urgente.

No link encontram-se 37 iniciativas de como ajudar os povos da floresta no combate à covid-19.

Marcos Colón é doutor em estudos culturais pela Universidade de Wisconsin-Madison, professor do Departamento de Línguas Modernas e Linguística da Universidade Estadual da Florida e diretor do documentário Beyond Fordlândia