“Ter fé não significa estar livre de momentos difíceis”

As portas das igrejas abriram-se este sábado de novo aos crentes para a missa comunitária, depois de a pandemia as ter fechado durante dois meses e meio. No “novo normal”, desapareceu o gesto da paz e vieram as máscaras, porque, como diz um crente, “a alegria do reencontro é grande, mas em primeiro lugar está a vida”.

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Distantes uns dos outros, com máscaras e desinfectantes à porta, os católicos voltaram este sábado às igrejas para voltarem a assistir presencialmente à missa. “É uma alegria muito grande”, congratulou-se Carlos Reis, um catequista de 54 anos, à porta da Igreja de S. Martinho de Cedofeita, no centro do Porto, para quem as celebrações a que foi assistindo pela Internet, nos últimos dois meses e meio, “eram um sucedâneo pobrezinho” das eucaristias comunitárias postas em standby pela pandemia da covid-19.

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Distantes uns dos outros, com máscaras e desinfectantes à porta, os católicos voltaram este sábado às igrejas para voltarem a assistir presencialmente à missa. “É uma alegria muito grande”, congratulou-se Carlos Reis, um catequista de 54 anos, à porta da Igreja de S. Martinho de Cedofeita, no centro do Porto, para quem as celebrações a que foi assistindo pela Internet, nos últimos dois meses e meio, “eram um sucedâneo pobrezinho” das eucaristias comunitárias postas em standby pela pandemia da covid-19.

Antes de entrar na igreja de Cedofeita, onde a primeira missa comunitária em contexto pandémico começou às 15h30, os fiéis foram obrigados a desinfectar as mãos num dos dois dispensadores de gel desinfectante com pedal postos à entrada, em cujos azulejos se lê “No meio de vós está alguém que não conheceis”. Não é uma referência ao coronavírus, mas, agora, parece um aviso feito à medida de um perigo de contágio que os responsáveis da Igreja procuraram reduzir “ao mínimo dos mínimos”, conforme assegurou ao PÚBLICO o pároco Fernando Silva.

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Nos bancos, dispostos em redor do altar, autocolantes verdes em forma de losangos assinalam o sítio em que é permitido sentar, salvaguardando as distâncias recomendadas pela Direcção-Geral da Saúde (DGS). Os bancos corridos foram reposicionados e as distâncias aumentadas, permitindo, ainda assim, preservar um total de 150 lugares sentados na nave da Igreja, a que se somam mais 50 lugares no sítio destinado ao coro. A água benta desapareceu das pias. E a comunhão foi levada e entregue em mãos a cada um dos fiéis, evitando-se assim o habitual cortejo.

“Claro que não há risco zero, mas considero que, com estas medidas, as hipóteses de contágio são mínimas ou praticamente inexistentes, se compararmos com outros lugares que frequentamos como os locais de trabalho, os supermercados, o cinema ou os restaurantes, já para não falar dos aviões”, declarou o padre, depois de concluída uma missa que reuniu cerca de meia centena de fiéis e em que a única pessoa sem máscara era o próprio padre – até a freira que assegurou os cânticos manteve a máscara, apesar de estar sozinha com o organista num local mais isolado da igreja.

Durante a homilia, o padre citou o poema “A Casa de Deus”, de Sophia de Mello Breyner, para apresentar a igreja como lugar onde os fiéis se reúnem para “celebrar a claridade”, “para além da morte, da lacuna, da perda e do desastre”. “Muitos, por segurança, não podem estar fisicamente aqui, mas [lembremo-nos] que ter fé não significa estar livre de momentos difíceis mas ter a força para os enfrentar, sabendo que não estamos sozinhos”, disse.

Depois de se referir às vítimas da covid-19 que morreram “sem direito às exéquias cristãs”, o pároco considerou que não há que reclamar o regresso do “velho normal”, porque “esse foi o que nos trouxe esta pandemia, nomeadamente por causa do descuido com o planeta”, reforçando assim a mensagem ecológica que vem sendo repetida pelo Papa Francisco e que foi corporizada na encíclica Laudato Si.

E, porque o coronavírus criou novas despesas, Fernando Silva deixou ainda um apelo à generosidade dos fiéis – não houve ofertório mas a igreja tem dois cofres com ranhuras, à entrada na nave principal , porque, como explicaria minutos depois ao PÚBLICO, a paróquia tem serviços de creche, pré-escolar, lar de idosos e apoio domiciliário e muitos salários para pagar ao final do mês. “Conseguimos manter o pleno emprego e não mandar nenhum funcionário para lay-off, mas está a ser muito difícil suportar o brutal acréscimo de despesas, nomeadamente no lar de idosos, com a compra do material e equipamento que se tornaram indispensáveis com a pandemia”, justificou.

Nesta missa, como nas demais que doravante serão realizadas, não houve o gesto da paz, numa omissão ditada por aquilo a que o cardeal-patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, qualificou, em declarações à Renascença, como “a virtude da prudência”. “O gesto da paz que era entre nós muito efusivo terá de ser necessariamente menos efusivo”, referiu, admitindo que o ritual possa mesmo ser definitivamente suprimido da eucaristia. Questionado sobre o risco de haver um recuo na desaceleração dos contágios que possa levar a um novo encerramento das missas comunitárias, Manuel Clemente mostrou-se convencido de que tal não acontecerá, desde que observadas “todas as orientações” das autoridades de saúde nos locais de culto.

A Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), de resto, emitiu um conjunto de orientações destinadas a minimizar o risco de contágio e no qual se inclui o apelo para que os fiéis que se sintam doentes fiquem em casa, o mesmo se aplicando aos que integram os grupos de risco. A CEP aconselha ainda a que as portas das igrejas se mantenham abertas, para evitar que os crentes tenham de tocar em puxadores ou maçanetas, e que o espaço seja arejado após cada celebração durante pelo menos meia hora. À saída, são desaconselhadas aglomerações de crentes, porque, como concorda Carlos Reis, “a alegria do reencontro é grande, mas em primeiro lugar está a vida”.