Mil novecentos e quarenta e oito

Esta é a quarta conversa da nossa sexta memória, intitulada “A Pergunta”, dedicada aos direitos humanos.

Seis dias antes de a Declaração Universal de Direitos Humanos ser consagrada no Palais de Chaillot, em Paris, um escritor inglês enviou a versão final do seu novo romance, que ele não sabia que seria o seu último, para o seu editor. O escritor chamava-se George Orwell e o romance chamava-se 1984.

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Seis dias antes de a Declaração Universal de Direitos Humanos ser consagrada no Palais de Chaillot, em Paris, um escritor inglês enviou a versão final do seu novo romance, que ele não sabia que seria o seu último, para o seu editor. O escritor chamava-se George Orwell e o romance chamava-se 1984.

É bem possível que o escritor não tenha dado pela aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Naquela fase da sua vida, ele vivia numa ilha chamada Jura, ao largo da costa escocesa, numa casa que não tinha electricidade nem água corrente, e onde as notícias chegavam só com o correio, uma ou duas vezes por semana.

Conversamos hoje sobre 1948, o ano que poderíamos ver como para sempre definido pelo contraste entre estes dois documentos — a Declaração Universal de Direitos Humanos e 1984, de George Orwell — embora possamos ir mais longe do que isso. Este foi o ano em que começou de facto a Guerra Fria, com a queda do governo da Checoslováquia e a entrega do poder aos comunistas pró-soviéticos, e com o bloqueio a Berlim Ocidental. Este foi também o ano em que foi proclamada a fundação do Estado de Israel, numa sala encimada por um retrato de Theodor Herzl, o jornalista austríaco que se não tivesse sido correspondente em França durante o caso Dreyfus talvez nunca tivesse decidido fundar o movimento sionista. De certa forma em 1948 encerram-se alguns dos ciclos que então se iniciaram — da Ligue des Droits de L’Homme à Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Uma diferença — talvez a grande diferença — entre George Orwell e aqueles que recolhiam agora ao hotel cansados, do outro lado da Mancha, na capital francesa, era de geração. René Cassin, Eleanor Roosevelt e outros eram criaturas dessas décadas finais do século XIX. Viram a I Guerra Mundial já como adultos, assistiram ao falhanço da Sociedade das Nações e, como velhos sobreviventes que tinham sobrado de todas essas catástrofes, achavam que sabiam agora o que fazer para não repetir os erros passados.

A geração de Orwell era a do desgraçado século XX que ainda não tinha chegado a meio e já tinha produzido duas guerras mundiais e a devastação moral do holocausto. Eric Arthur Blair nascera em 1903. Com onze anos vira chegar a I Guerra Mundial, morrer gente da idade de tios e irmãos mais velhos. Depois o fascismo, a Guerra Civil de Espanha — em que participou — e a II Guerra Mundial. Ninguém o poderia culpar por ter uma perspectiva mais pessimista.

Esta é a quarta conversa da nossa sexta e última memória, intitulada “A Pergunta”, dedicada aos direitos humanos.

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