Medidas diferenciadas para região de Lisboa? Autoridade de saúde duvida, especialistas aceitam-nas

Delegado de saúde de Lisboa explica que o aumento de casos na região se deve a uma maior densidade populacional e a “um tecido social com mais assimetrias”. Especialistas aceitam medidas específicas para Lisboa, mas reconhecem que não é uma decisão fácil.

A região de Lisboa e Vale do Tejo é a que inspira maior preocupação no combate à pandemia de covid-19, com dez vezes mais novos casos desde domingo, 24 de Maio, do que o resto do país. O delegado de saúde pública regional da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, Mário Durval, lembra, contudo, que a região continua a ter “um número de casos por cem mil habitantes inferior a outras regiões”.

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A região de Lisboa e Vale do Tejo é a que inspira maior preocupação no combate à pandemia de covid-19, com dez vezes mais novos casos desde domingo, 24 de Maio, do que o resto do país. O delegado de saúde pública regional da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo, Mário Durval, lembra, contudo, que a região continua a ter “um número de casos por cem mil habitantes inferior a outras regiões”.

Mário Durval atribui o número constante de novos casos a dois factores. “Temos mais casos, em primeiro lugar, porque temos mais pessoas, e, em segundo, porque temos um tecido social com mais assimetrias”, explicou ao PÚBLICO, lembrando que os bairros pobres têm um risco acrescido de contágio.

Além disso, a mobilidade e interacção entre pessoas aumentaram, sendo por isso “natural que haja contágios que não estavam a ser feitos” durante o período de confinamento. Mário Durval realçou também que é deste maior contacto social e familiar que os contágios têm surgido.

Para Manuel Carmo Gomes, professor de Epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o aparecimento de surtos como os que têm sido verificados “era previsível”.

“Caracterizam-se em geral por ocorrerem em espaços relativamente confinados, cobertos, não ao ar livre, onde pode haver muitas pessoas. Estou a referir-me a instituições como lares, hostels, mas também a dormitórios onde haja muitos trabalhadores, eventualmente empresas”, explica ao PÚBLICO.

Aumentar

“Adoptámos medidas de alívio do confinamento e já esperávamos que a descida que vínhamos observando antes pudesse estabilizar, era isso que se tinha observado em outros países”, afirmou. A “oscilação sem uma tendência definida” verificada é, aliás, um dado “positivo”. “Significa que estamos a manter a epidemia controlada, não estamos a assistir a um crescimento exponencial”, aponta.

Actuar nos “pequenos focos”

Um dos cenários mencionados à saída da reunião entre especialistas, políticos e parceiros sociais no Infarmed, esta quinta-feira, foi o de uma resposta diferenciada para a região de Lisboa. Ao PÚBLICO, Mário Durval não teceu comentários sobre esta possibilidade, mas tem dúvidas que o Governo “vá tratar de modo diferente das outras a região de Lisboa”.

O delegado da ARS de Lisboa e Vale do Tejo afirmou ainda que não ouviu “nenhuma proposta” durante a reunião no Infarmed. “O que ouvi foi que não estava tomada decisão, que amanhã [sexta-feira] o Governo iria decidir”, acrescentou.

Aumentar

Em termos regionais, Mário Durval realça que a ARS de Lisboa e Vale do Tejo quer “conter a transmissão” e vai, por isso, “incidir a actuação nos sítios onde existem pequenos focos”. Esta atenção já era dada, mas “de uma forma muito individual, vamos começar a fazer de uma forma mais colectiva.”

Para Manuel Carmo Gomes, engendrar uma resposta diferente na região de Lisboa tem lógica. “Faz sentido que as medidas que se tomem sejam proporcionais, do ponto de vista geográfico, àquilo a que estamos a assistir”, afirmou. Considera que não é necessário voltar atrás com medidas de desconfinamento já tomadas, mas “é sensato, para estas regiões onde sentimos que a situação pode descontrolar-se”, repensar “algumas das medidas de alívio” que vão entrar em vigor a 1 de Junho. Nesse dia, por exemplo, os centros comerciais podem reabrir.

O epidemiologista diz que surtos deste género vão continuar a existir, sendo que a melhor maneira de actuar, “havendo um controlo generalizado da epidemia no país”, seria prever esses episódios e tomar “medidas profilácticas”. Não sendo possível, “é correcto agir o mais depressa possível” como nos surtos em Lisboa e Vale do Tejo, que estão a ser “cada vez mais bem conhecidos e acompanhados”.

Medidas locais? Não é simples

Para a directora da Escola Nacional de Saúde Pública, Carla Nunes, a região de Lisboa e Vale do Tejo é um foco de preocupação. O aumento do número de casos positivos na região – e o aumento do Rt que lhe está associado e que, neste momento, é superior à média nacional, com 1,01 — faz com que não seja descabido pensar em medidas específicas para esta região. Mas isso não é simples nem linear no entender desta especialista.

“Quando aconteceu no Norte, achei que o peso de ter tudo fechado a nível nacional (tratando-se de um problema local) podia ser um pouco absurdo. Também o acho no caso de Lisboa”, afirma. Mas deixa um alerta: as medidas macro podem não fazer sentido, mas as micro também não. “As medidas aplicadas num contexto muito pequeno podem não resolver” o problema, defende.

Confinar um bairro, uma freguesia ou os trabalhadores de uma fábrica pode não surtir qualquer efeito na curva epidémica. A mobilidade das pessoas que vivem ou trabalham nos locais mais afectados tem de ser tida em conta.

“Teoricamente, não me faz confusão aberturas faseadas em termos de espaço. Mas a implementação disso na prática tem muito que se lhe diga”, afirma. A solução será pensar em medidas integradas e que levem em conta várias componentes – não só a saúde pública, mas também questões políticas e económicas.

“Tem de ser uma solução mais integrada. Até se pode pensar em fechar uma empresa, mas o que é que as pessoas vão fazer quando não estiverem nessa empresa?”, ilustra. Por comparação, fechar um lar é uma “situação muito mais controlada” porque a mobilidade não tem um peso tão grande. Não se pode dizer o mesmo das pessoas que podem sair de casa a qualquer momento.

Mário Durval lembrou também que os transportes públicos são seguros “se forem seguidas as indicações da Direcção-Geral da Saúde”, competindo aos operadores e às forças de segurança a garantia de que as normas são cumpridas. “Se estiverem a ser cumpridas, não podemos culpar os transportes”, afirmou o delegado de saúde pública. “Daquilo que tenho sabido, as pessoas estão a cumprir a sua obrigação”.

Maiores preocupações devem ser o Outono e o Inverno

Apesar dos focos de contágio na região de Lisboa e Vale do Tejo, Manuel Carmo Gomes considera que o desconfinamento está “a correr razoavelmente bem”.

“Estamos a imunizar uma parte da população e não estamos a colocar os hospitais sob grande pressão”, realça, notando ainda que o facto de estarmos a ter casos todos os dias faz com que as pessoas “não se esqueçam que o vírus está entre nós”. Na opinião do professor universitário, este detalhe pode ser muito importante para mitigar uma eventual segunda vaga depois do Verão.

“Se tivéssemos um mês de Julho e Agosto sem ter casos, tenho muito receio que as pessoas adquirissem um sentido de falsa confiança que poderia ser perigoso quando chegasse Outubro. Isto mantém as pessoas em alerta e conscientes de que as recomendações de distanciamento de higiene são para levar muito a sério enquanto não tivermos uma vacina”, avisou.

A propagação do vírus por aerossóis (partículas aéreas de muito pequena dimensão que pairam no ar) é “extremamente perigosa em meios fechados, especialmente no Inverno”, mas no Verão, em espaços abertos, “praticamente desaparece”.

Manuel Carmo Gomes afirma, por isso, que os portugueses “não devem estar muito preocupados” com possíveis contágios em jardins ou praias, desde que cumpram as “medidas preventivas de distanciamento” para evitar o contágio através das outras duas formas conhecidas: através de gotículas respiratórias ou de contacto físico.