Nuno Prates, o coleccionador de jardins

Em miúdo, apaixonou-se por plantas tropicais e nunca mais as largou. Em cada casa onde mora, semeia jardins nos terraços e pátios, recriando as paisagens exóticas de outras paragens. Hoje tem cinco, todos em Lisboa. São o seu “património”.

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Nuno Prates tem cinco jardins em Lisboa Daniel Rocha

Há quem coleccione carros, Nuno Prates tem jardins. Por onde morou, foi semeando pequenos mundos exóticos, sempre no miolo urbano de Lisboa, convertendo “tudo que são açoteias, pátios ou varandas em espaços verdes”. “Há pessoas que nascem com aptidão para a Matemática, eu nasci com aptidão para isto.”

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Há quem coleccione carros, Nuno Prates tem jardins. Por onde morou, foi semeando pequenos mundos exóticos, sempre no miolo urbano de Lisboa, convertendo “tudo que são açoteias, pátios ou varandas em espaços verdes”. “Há pessoas que nascem com aptidão para a Matemática, eu nasci com aptidão para isto.”

Aos oito ou nove anos teve autorização dos pais para “fazer o que quisesse no jardim da casa de férias” e diga-se que acabou “por desfazê-lo um bocado e levou anos a ficar novamente em ordem”. Não tinha conhecimento “absolutamente nenhum”. Foi-se guiando pelo instinto, pela experimentação e pela curiosidade. Mas nunca mais parou.

Especializou-se em espécies tropicais e subtropicais, inspirado no exotismo das plantas que brotavam dos fascículos que a mãe lhe ofereceu na altura, editados no Brasil, e que ainda hoje guarda. “Fiquei completamente rendido e sempre quis reproduzir aquelas paisagens cá.”

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Nos jardins de Nuno Prates “podemos ser transportados para zonas tropicais do planeta” Daniel Rocha

É isso que os seus jardins têm “de extraordinário”. “Não tenho nada raro, a raridade está no facto de ser cultivado no exterior.” Muitas espécies encontram-se facilmente dentro de habitações ou de estufas pela Europa fora, mas Nuno “obriga-as a adaptarem-se ao frio”, criando com elas microecossistemas específicos para que prosperem.

Sente “um agradecimento profundo” quando consegue aclimatá-las e vê-las desenvolver como nas regiões de origem. “E fico ainda mais satisfeito quando consigo aclimatar uma espécie que, até hoje, sei que à latitude de Lisboa não existem outras pessoas a fazê-lo.” Ao entrarmos num dos jardins de Nuno Prates, 53 anos, “podemos ser transportados para zonas tropicais do planeta”. É essa a “singularidade”.

Actualmente, são cinco jardins, quatro tropicais e um mediterrânico, e prepara-se para desenvolver outro em Elvas, o primeiro fora da capital portuguesa e que “vai ser muito particular, dado o clima continental da região, muito quente e muito frio”. Quando começa a idealizá-los, raramente desenha. “Sou capaz de ir a um produtor, passar duas horas a olhar e, mediante o aspecto das plantas, consigo visualizar [o resultado final].”

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Nuno Prates tem quatro jardins tropicais e um mediterrânico, todos em Lisboa Daniel Rocha

Em 40 anos de jardinagem, aprendeu que, por mais projectado que seja, “um jardim nunca se mantém igual”. “Vai evoluindo tal como um ser humano. Ainda que educado, tem uma personalidade e ela manifesta-se.” Nos quatro jardins tropicais, as plantas são praticamente as mesmas porque tenta multiplicar cada espécie para ter a garantia de que, se houver algum azar, tem como dar continuidade à colecção. Mas cada um tem um carácter próprio e isso dá-lhe “um gosto tremendo”.

Até no jardim mediterrânico, instalado no último andar de um prédio. Já teve três faces, três imagens. Começou por criar um espaço de inspiração “quase religiosa” nas correntes italiana e francesa, depois foi evoluindo até se transformar numa espécie de horta, com laranjeiras, limoeiros, amoreiras, pereiras, alfarrobeiras, sobreiros, oliveiras e, em “vasos muito elegantes”, alfaces, beringelas, tomates, pepinos. Ficou “um contraste muito bonito”, com “uma originalidade enorme”.

Entretanto, apercebeu-se que os pássaros e insectos adoptaram o espaço e acabaram por montar um ecossistema. “Além de polinizarem aquilo que existe, trazem sementes de outras partes e comecei a ter plantas a nascer de forma absolutamente espontânea. Hoje, tenho árvores com dois metros de altura que foram os próprios pássaros que semearam”, conta. “Sem intervir, a natureza expressa-se no meio da cidade. E isso foi uma lição de vida enorme.” Hoje não colhe nenhum dos frutos, deixa-os como alimento para as aves.

“É muito curioso dar essa liberdade ao jardim para se expressar como quer.” Essa “descoberta, surpresa, evolução” dão-lhe hoje um prazer que não tinha quando era mais novo. Queria ver logo o espectáculo todo montado”. Porque, para Nuno Prates, um jardim não se resume às plantas que contém, mas ao ambiente e cenário criados. É “o casamento que o homem consegue fazer com a paisagem e produzir um espectáculo”.

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Daniel Rocha

Num dos jardins tropicais, por exemplo, inspirou-se na História de Portugal e “na importância dos descobridores portugueses de plantas”. Começa com a conquista de Ceuta, em 1415, e vai até ao século XVIII, numa viagem que parte de Lisboa, passa por África, dobra o cabo da Boa Esperança, chega à Índia, ao Japão e resto da Ásia e segue pela América do Sul. Há plantas que “tombam em lianas”, folhas de grandes dimensões e luz difusa, uma grande competição entre plantas como na floresta amazónica, e depois “alguns elementos arquitectónicos das culturas” com que os portugueses foram contactando. É aí que tem uma heliconia “bastante sensível” e que floriu. “Foi o melhor presente de toda a minha vida.”

É este lado cénico que o atrai nos gabinetes de curiosidades, precursores dos museus de história natural, e que recriou com as plantas que guardava depois de o ciclo de vida terminar. Primeiro, espalmava-as, como se faz nos herbários tradicionais, mas como sentia que “perdiam o interesse”, começou a secá-las e a dispô-las em vários suportes. Tem “sementes, plantas, folhas, caules, musgos, líquenes”, incluindo exemplares dos anos 1980, abacates desidratados desde a década de 90, uma banana. “O ambiente criado é sublime, místico, de que eu gosto bastante.” Tem catalogadas todas as plantas que possui e um arquivo de “cerca de 75 mil fotografias de plantas tropicais cultivadas fora da região de origem e em locais inesperados, [tiradas] no país todo e na Europa”, além de 1100 obras só de botânica tropical.

“Sempre fiz uma jardinagem muito solitária e silenciosa.” Durante muitos anos, não teve com quem partilhar conhecimentos e descobertas ou livros e arquivos onde encontrar respostas. “Havia uma parede muito grande entre aquilo que eu queria saber e aquilo que me era permitido saber. A Internet foi um portão que se abriu. Um mundo que não tive capacidade para absorver e demorei décadas para conseguir digerir, reorganizar e saciar toda aquela curiosidade.” Aponta um exemplo: “Demorei 12 anos a descobrir a identidade de uma planta que comprei num horto. Encontrei o nome na semana passada, por acaso, a navegar na Internet. Doze anos. Foi aí que percebi o peso do silêncio.”

Não tem espécies preferidas, tem géneros botânicos, “talvez dez” pelos quais tem “uma verdadeira paixão”, entre os philodendron, as heliconia, as dracaena ou as bromeliaceae. Sonha criar um jardim botânico com “essas plantas de paixão” no barrocal algarvio porque, apesar de não existir nenhum jardim botânico em Portugal a sul de Lisboa, considera que a região tem “um clima propício a podermos ter um jardim com um património vegetal importante na Europa”. Algo que “gostava de deixar, inclusivamente, à sociedade”.

Nuno tem um emprego que paga as contas, mas “toda a gente sabe que é jardineiro antes de qualquer outra coisa”. Depois de cinco jardins ao longo de décadas, falta criar algum? “Falta. Até deixar de respirar, sim. Todos aqueles que foram possíveis.” São “património” de uma vida.