Podia o choque entre o Alfa Pendular e o camião ter sido evitado?

O acidente de segunda-feira, na passagem de nível de Vale de Santarém poderia ter sido evitado se se tivessem tomado medidas para tornar aquele atravessamento mais seguro. O PÚBLICO explica como funciona a passagem de nível automatizada e o que poderia ter sido feito.

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Eram 18h50 e o Alfa Pendular nº 124, que tinha saído de Campanhã às 16h40 com destino a Lisboa, seguia à tabela pela lezíria à velocidade de 140 Km/hora. A bordo levava 12 passageiros, um número normal num tempo em que vigora o estado de emergência e as pessoas estão em casa. Poucos minutos depois de passar a estação de Santarém, o maquinista avista um camião parado numa passagem de nível com o respectivo motorista apeado. Só teve tempo para accionar o freio de emergência (um manípulo que faz apertar todas as rodas do comboio para o fazer parar num mínimo espaço de tempo) e fugir da cabine de condução para escapar ao inevitável embate.

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Eram 18h50 e o Alfa Pendular nº 124, que tinha saído de Campanhã às 16h40 com destino a Lisboa, seguia à tabela pela lezíria à velocidade de 140 Km/hora. A bordo levava 12 passageiros, um número normal num tempo em que vigora o estado de emergência e as pessoas estão em casa. Poucos minutos depois de passar a estação de Santarém, o maquinista avista um camião parado numa passagem de nível com o respectivo motorista apeado. Só teve tempo para accionar o freio de emergência (um manípulo que faz apertar todas as rodas do comboio para o fazer parar num mínimo espaço de tempo) e fugir da cabine de condução para escapar ao inevitável embate.

Trezentas toneladas de ferro e aço a deslizar sobre carris não se param em poucos metros.

O embate contra um camião carregado de estrume foi brutal e destruiu a própria cabine de condução do Alfa. No interior do comboio, a frenagem brusca provocou três feridos ligeiros. O condutor do veículo pesado só foi desencarcerado, já sem vida, várias horas depois, desconhecendo-se se terá sido apanhado quando ainda estava fora do camião ou será subido para o tentar retirar.

As semelhanças com o acidente ocorrido em 8 de Novembro de 2016 são enormes: o mesmo local, dois camiões longos, a dificuldade em manobrar numa passagem de nível cujos acessos são feitos em curva apertada.

O relatório do GPIAAF (Gabinete de Prevenção e Investigação com Aeronaves e Acidentes Ferroviários) ao acidente anterior era claro: havia ali um problema de segurança grave que punha em perigo os camiões que atravessassem a linha férrea. E estabeleceu um conjunto de recomendações ao IMT, à IP e à Câmara de Santarém para mitigar o risco.

Em resposta ao PÚBLICO a IP limitou-se a dizer que “seguiu as recomendações que são da sua competência”, sem especificar quais, e esclarece que as intervenções relacionadas com os acessos rodoviários estão sob jurisdição municipal, tendo já reunido várias vezes com a Câmara de Santarém.

Esta última porém, em email enviado ao PÚBLICO diz que “lamenta que mais uma vez a IP se furte às suas responsabilidades” pois, após reunião com a empresa, ficou decidido que “a IP assumiria a elaboração do projecto e expropriações necessárias e o Município o lançamento da empreitada e contratação de fiscalização”.

Contudo, a Câmara de Santarém diz não ter recebido mais comunicações da IP “apesar das várias insistências nesse sentido”.

Como funciona a passagem de nível automatizada?

Quarenta segundos é o tempo que medeia entre o accionamento dos sinais acústicos e luminosos e o momento da passagem do comboio. Um tempo que tem em conta a velocidade máxima permitida no troço em que a passagem de nível está instalada e que, no caso da de Vale de Santarém, é de 140 Km/hora. Obviamente que, se um comboio circular a uma velocidade mais baixa, o tempo de espera para o condutor será maior.

Quando o comboio se aproxima do atravessamento rodoviário sobre o caminho-de-ferro – e considerando uma composição a 140 Km/hora – há um momento zero em que se activam as campainhas e os sinais luminosos. Sete segundos depois inicia-se a descida das barreiras, num processo lento, que também tarda sete segundos, a fim de permitir a qualquer veículo que tivesse desrespeitado o sinal vermelho sair do canal ferroviário. Catorze segundos depois do momento zero as barreiras estão na posição horizontal e 26 segundos depois passa o comboio. Completaram-se assim os 40 segundos.

Estes tempos estão regulamentarmente de acordo com a legislação em vigor e aplicam-se a todas as passagens de nível, mas são “cegos” no sentido em que não atendem a casos particulares.

Em Vale de Santarém, o relatório do GPIAAF ao acidente ocorrido em 8 de Novembro de 2016 concluiu que, naquele caso particular, tendo em conta as curvas em cotovelo do acesso rodoviário à passagem de nível, um camião longo não tem tempo para efectuar uma travessia segura. Por isso, recomendou ao IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes), que é a autoridade nacional de segurança ferroviária, e à Infraestruturas de Portugal que implementassem medidas para reduzir a probabilidade de um acidente similar.

O que poderia ter sido feito

Aumentar a temporização dos sinais luminosos e acústicos: esta medida avisaria mais cedo os condutores da chegada do comboio e dá mais tempo a um camião longo para fazer a travessia. No entanto, sabe-se que um aumento do tempo de espera antes das barreiras se fecharem induz os condutores à transgressão porque dão-se conta que ainda têm tempo para atravessar a linha. Um fenómeno que se verifica nas passagens de nível mais urbanas e com muito tráfego e não tanto num meio rural como é o caso.

Colocação de um meio humano: está provado que a presença humana é dissuasora de comportamentos abusivos, mas a grande vantagem é que uma guarda de passagem de nível (que coexistiria com os meios automáticos) pode accionar um botão de alarme que faz parar o tráfego ferroviário nas imediações se o canal ferroviário ficar obstruído. No acidente de segunda-feira, fosse por avaria do camião ou por ter demorado a entrar ou a sair da passagem de nível, a presença de uma guarda e um dispositivo de alarme teria evitado o pior.

Redução da velocidade dos comboios: se os comboios circularem a menor velocidade, dão mais tempo aos condutores para a travessia da via férrea e, em caso de acidente, as consequências serão menores. É uma medida que aumenta a segurança e penaliza os tempos de percurso dos comboios.

Encerramento da passagem de nível: é a medida radical e a mais desejável do ponto de vista da segurança. Idealmente, desde que substituída por um atravessamento desnivelado (ponte ou túnel). Algo que está previsto aquando da modernização deste troço da linha do Norte entre Vale de Santarém e Entroncamento. O projecto já vem desde 1999 e contempla a supressão total de passagens de nível. Mas foi sempre adiado. O plano Ferrovia 2020 previa que as obras tivessem tido início em 2019 e se concluíssem em Março deste ano. Mas ainda nem foi lançado o concurso público.

Proibição de acesso a camiões longos: medida lesiva da actividade económica local, uma vez que esta passagem de nível é muito usada por máquinas agrícolas e camiões longos.

Melhoria dos acessos rodoviários: é da responsabilidade da Câmara de Santarém, uma vez que se trata de uma estrada municipal. Uma intervenção na estrada e no talude junto a esta permitiria aumentar a segurança dos veículos na travessia da passagem de nível.