Comboio e camião colidiram no mesmo local há quatro anos

Acidente fez um morto esta tarde. Desde acidente em Novembro de 2016 que aquela passagem de nível não era considerada segura para camiões longos. Infra-estruturas de Portugal diz que os tempos de encerramento são os adequados.

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A colisão entre o comboio Alfa Pendular e um camião, esta quarta-feira, numa passagem de nível perto de Vale Santarém, que provocou a morte do condutor do veículo pesado depois de várias tentativas de desencarceramento, ocorreu no mesmo local, e em circunstâncias idênticas à de há quase quatro anos, quando um camião pesado ficou preso dentro da passagem de nível e foi abalroado por um comboio.

Nesse acidente, ocorrido a 8 de Novembro de 2016, o motorista e o seu ajudante, em vez de fugirem, quando viram que as barreiras tinham baixado, procuraram levantá-las para tentar retirar o camião, no que se revelou fatal para o ajudante de motorista.

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Imagem do acidente desta quarta-feira DR

A investigação do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF) revelou que, atendendo às características da estrada naquele local (com curvas apertadas no acesso à passagem de nível), um camião longo precisa de mais tempo para atravessar a via férrea do que aquele que o comboio demora a chegar ao local, ou seja, o camião demora mais tempo a passar do que o comboio a chegar.

O relatório do GPIAAF identifica até a discrepância, em termos de segundos, que haveria de corrigir. Depois de terem feito testes na passagem de nível com um camião com as mesmas características, os peritos concluíram que um veículo pesado “demora, no mínimo, 25 segundos a atravessar o canal ferroviário, pelo que, nas condições determinadas para o funcionamento da passagem de nível, a meia barreira do sentido oposto atingirá sempre o veículo desde que o atravessamento seja iniciado até nove segundos antes de esta ser activada por um comboio em aproximação”.

O mesmo documento refere que “a passagem de nível foi automatizada [há cerca de 15 anos] sem estar previamente garantido que a configuração da via rodoviária onde aquela se insere não implicava constrangimentos ao cumprimento dos requisitos legais estipulados quanto ao tempo máximo do seu atravessamento”. Em alternativa, sugere, a estrada deveria ser interdita a veículos longos incompatíveis com os constrangimentos daquela passagem de nível.

Nessa altura, a Infra-estruturas de Portugal informou o GPIAAF que aquela passagem de nível deveria ser suprimida (e substituída por uma ponte), “no âmbito do programa Ferrovia 2020, a executar caso se verifique a existência de verbas disponíveis”. O Ferrovia 2020, que tinha sido apresentado em Fevereiro daquele ano, previa executar a modernização da Linha do Norte na zona de Santarém (com a total supressão de passagens de nível) entre 2019 e o primeiro trimestre de 2020. Mas ainda nem foi lançado o concurso público.

Nas recomendações do relatório do GPIAAF, este pede ao IMT (Instituto da Mobilidade e dos Transportes), enquanto entidade responsável pela segurança ferroviária que, “no mais curto prazo de tempo possível, a IP implemente as medidas necessárias para reduzir a um nível tão baixo quanto razoável o risco de recorrência de um acidente similar” o que passaria por aumentar a temporização dos sinais sonoros e luminosos de aviso de chegada do comboio para dar mais tempo aos camionistas para atravessar a linha. Recomenda também que a IP proceda a uma avaliação de todas as passagens de nível da rede ferroviária nacional para detectar eventuais casos similares com o mesmo nível de risco.

Há ainda uma recomendação à Câmara Municipal de Santarém para que, em articulação com a IP, “no mais curto período de tempo possível, implemente na via rodoviária onde a passagem de nível se insere as alterações adequadas com vista a assegurar que as condições de atravessamento sejam compatíveis” com todo o tipo de veículos. Essa recomendação obrigaria a suavizar as curvas da estrada municipal no acesso à passagem de nível, devendo-se intervir num talude junto à estrada.

Risco latente

O relatório do GPIAAF só foi publicado em Outubro de 2018, mas em Fevereiro de 2017, três meses depois do acidente, aquele gabinete realizou ensaios na passagem de nível com um camião longo e concluiu que em “qualquer momento em que a passagem de um veículo rodoviário com características similares ao envolvido no acidente, no sentido este-oeste, coincidisse com a aproximação de um comboio à passagem de nível, existia uma probabilidade não negligenciável de se repetir um acidente semelhante àquele em investigação”.

E disso informou o IMT e a IP, a fim de que fossem tomadas medidas, mas, diz o relatório, “o GPIAAF não recebeu qualquer reacção da parte do gestor da infra-estrutura nem do IMT, nem teve conhecimento de que tenha sido implementada alguma medida de mitigação do risco na sequência da informação transmitida”.

Questionada sobre o assunto, a IP diz que “seguiu as recomendações que são da sua competência, enquanto gestora da infra-estrutura ferroviária, que foram ditadas pelo GPIAAF” no seu relatório. “Informamos ainda que os tempos de encerramento da passagem são os adequados ao bom funcionamento de acordo com os requisitos estipulados no DL n.º 569/99, de 23 de Dezembro, não tendo sido feito qualquer recomendação por parte do GPIAAF no relatório de investigação ao acidente no que diz respeito à temporização do funcionamento da passagem de nível.”

Sobre a intervenção nos acessos rodoviários a IP diz que estes estão sob jurisdição municipal, tendo-se já reunido diversas vezes com a autarquia a propósito deste assunto.

O PÚBLICO perguntou ao IMT que medidas foram tomadas após as recomendações do GPIAAF, mas não obteve resposta. com Ivo Neto

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