Covid-19: especialistas alertam para o risco de quebra nos padrões de rigor científico

Nestes tempos de pandemia, exorta-se a comunidade científica internacional a resistir à tentação de ignorar todos os critérios de rigor na investigação de tratamentos e de uma vacina para a covid-19.

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Andrew Milligan/Reuters

Especialistas em ética alertaram esta quinta-feira para o risco de emergências sanitárias como a pandemia da covid-19 baixarem os padrões de rigor científico, numa altura em que há uma corrida à vacina contra o novo coronavírus. O alerta é deixado pelo director do Centro de Ética e Política da Universidade de Carnegie Mellon, Alex John London, e pelo director da Unidade de Ética Biomédica da Universidade McGill, Jonathan Kimmelman, num artigo publicado na revista científica Science.

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Especialistas em ética alertaram esta quinta-feira para o risco de emergências sanitárias como a pandemia da covid-19 baixarem os padrões de rigor científico, numa altura em que há uma corrida à vacina contra o novo coronavírus. O alerta é deixado pelo director do Centro de Ética e Política da Universidade de Carnegie Mellon, Alex John London, e pelo director da Unidade de Ética Biomédica da Universidade McGill, Jonathan Kimmelman, num artigo publicado na revista científica Science.

Os autores do artigo, divulgado na edição digital da publicação, exortam a comunidade científica internacional a resistir à tentação de, excepcionalmente, perante uma emergência de saúde pública global, ignorar todos os critérios de rigor na investigação de tratamentos e de uma vacina para a covid-19.

Alex John London e Jonathan Kimmelman alegam que muitas das deficiências verificadas na forma como a investigação médica é feita em circunstâncias normais parecem estar amplificadas com a pandemia da covid-19. Ambos os especialistas em ética, citados num comunicado da Universidade Carnegie Mellon, nos Estados Unidos, assinalam que muitos dos primeiros estudos foram mal concebidos, insuficientemente justificados ou divulgados enviesadamente.

A enxurrada de estudos ameaça duplicar esforços, concentrar recursos em estratégias para chamar a atenção dos media e aumentar a probabilidade de gerar falsos resultados positivos meramente por acaso, criticam.

“Todas as crises representam situações excepcionais em termos dos desafios que colocam para a saúde e o bem-estar. Mas a ideia de que as crises representam uma excepção aos desafios de avaliação dos efeitos dos medicamentos e das vacinas é um erro”, sustentam os dois autores.

Para Alex John London e Jonathan Kimmelman, a emergência das pandemias, ao invés de potenciar “investigações de baixa qualidade”, deve aumentar “a responsabilidade dos actores-chave da investigação na coordenação das suas actividades mantendo os padrões necessários para avançarem na sua missão”.

Os dois especialistas defendem que, apesar de as “práticas de investigação rigorosas não eliminarem toda a incerteza na medicina”, podem ser a maneira “mais eficiente” para apoiar as decisões dos médicos, com “consequências significativas para os doentes e sistemas de saúde”.

No artigo, o director do Centro de Ética e Política da Universidade de Carnegie Mellon e o director da Unidade de Ética Biomédica da Universidade McGill, no Canadá, enumeram várias recomendações para a realização de ensaios clínicos durante as pandemias, como estudos concertados, a grande escala, bem como se explorem múltiplas abordagens de tratamentos.

De acordo com Alex John London e Jonathan Kimmelman, as autoridades de saúde e os reguladores devem assumir o papel de liderança na identificação de ensaios que cumpram padrões de rigor e na promoção da colaboração de um número suficiente de centros de ensaios para assegurar o adequado recrutamento de voluntários e resultados oportunos.

Para quando uma vacina? 

Há duas semanas, num artigo publicado na revista científica Nature, a Aliança para Inovações de Prontidão para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês) assinalou que, a obter-se uma vacina para a covid-19 no início de 2021, segundo as previsões das autoridades sanitárias norte-americanas, tal significará uma alteração significativa no padrão tradicional de desenvolvimento de uma vacina, que pode demorar em média mais de dez anos a ser produzida.

A CEPI lembrava que a primeira vacina candidata contra a covid-19 começou a ser testada, com uma “rapidez sem precedentes”, em 16 de Março, nos Estados Unidos, depois de ter sido publicada, em 10 de Janeiro, a sequência genética do coronavírus SARS-CoV-2, na origem da doença respiratória aguda e detectado em Dezembro, na China.

Num balanço publicado a 9 de Abril na Nature, a organização, criada em 2017 para incentivar e acelerar o desenvolvimento de vacinas contra doenças infecciosas emergentes e torná-las acessíveis às pessoas durante os surtos, enumerava mais de 100 vacinas candidatas para a covid-19, incluindo cinco em ensaios clínicos.

Empresas farmacêuticas e cientistas têm-se multiplicado em anúncios de prazos para uma vacina contra o novo coronavírus: há quem prometa para dentro de um ano ou ano e meio, há quem antecipe para Outubro, Setembro ou Junho de 2020.

Contudo, ainda não é certo que haverá, de facto, uma vacina para a covid-19, que previna a infecção pelo SARS-CoV-2, nem qual o grau de protecção conferido, se será duradouro ou não. Certo é que, em regra, o desenvolvimento de uma vacina demora tempo porque o processo tem de passar por um crivo de testes de segurança e eficácia.