Pessoas amontoadas em beliches: Fórum Refúgio alertou sobre hostels há nove meses

Conselho Português para os Refugiados tem sido foco de críticas, mas há entidades governamentais com responsabilidades. Grupo alertou várias instituições sobre “condições indignas” de pensões em Julho e Dezembro. Pedem urgência e cuidado em recolocação de migrantes que estão noutros hostels espalhados por Lisboa para que cenário “não se repita”. Ministério da Administração Interna afirma que está a ser feito um “reforço” das inspecções às condições de alojamento.

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Há um alerta que foi dado em Julho a várias instituições, e repetido em Dezembro, mas que terá sido ignorado. Quartos com um par de metros quadrados em que há vários beliches, onde as pessoas dormem sem espaço, com roupas, lençóis, sacos espalhados por qualquer canto disponível; duas casas-de-banho partilhadas por dezenas, uma cozinha minúscula onde em tempo de pandemia os utentes fazem fila para cozinhar e lavar- louça, sem qualquer hipótese de distanciamento social.

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Há um alerta que foi dado em Julho a várias instituições, e repetido em Dezembro, mas que terá sido ignorado. Quartos com um par de metros quadrados em que há vários beliches, onde as pessoas dormem sem espaço, com roupas, lençóis, sacos espalhados por qualquer canto disponível; duas casas-de-banho partilhadas por dezenas, uma cozinha minúscula onde em tempo de pandemia os utentes fazem fila para cozinhar e lavar- louça, sem qualquer hipótese de distanciamento social.

Num vídeo que foi filmado a 19 de Abril, num dos hostels em Lisboa onde estão alojados refugiados, e ao qual o PÚBLICO teve acesso, vê-se o que está descrito em acima: as condições “de alojamento indignas” em que se encontram “já centenas de requerentes de asilo e refugiados”, refere o Fórum Refúgio, um colectivo de várias entidades para promover a integração de refugiados, que o divulgou. 

A seguir à operação de domingo no hostel Aykibom na Morais Soares, em Lisboa, — onde foi confirmado que 136 cidadãos requerentes de asilo estavam infectados com SARS-CoV-2, o vírus que deu origem à pandemia covid-19, tendo sido transportados para a Ota — este grupo emitiu uma carta aberta a pedir a intervenção do Governo. Alertava para o facto de ser uma realidade sobre a qual receberam queixas repetidas “no âmbito do apoio informal” que prestam a requerentes de asilo e refugiados. 

Já em Julho tinham feito denúncias ao Conselho Português para os Refugiados (CPR) e ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) exactamente sobre “a falta de condições de higiene e segurança dos hostels contratados para alojar requerentes de asilo e refugiados”, escrevem. 

Isso mesmo foi igualmente mencionado “durante a última Assembleia do Fórum Refúgio, no passado dia 12 de Dezembro de 2019”, onde estavam instituições que trabalham com os requerentes de asilo. Nem o SEF, nem o CPR comentaram. 

Neste contexto, “a situação agravou-se, acarretando riscos graves para a saúde pública, dada a lotação por quarto (que chega a 10 pessoas aglomeradas em beliches, num espaço de 4 m2, muitas vezes sem janela). Os beliches não têm quase espaço entre eles e as poucas casas de banho disponíveis são insuficientes, pequenas e pouco cuidadas”, descrevem. Segundo o grupo, há casos em que pessoas não aparentadas partilham as camas, daí aquela sobrelotação. “É urgente que os residentes em hostels sejam relocalizados para residências que garantam condições de habitabilidade dignas, em condições de higiene e segurança, observando as regras de distanciamento social em vigor para a toda a população portuguesa”. 

Alexander Kpatue Kweh, coordenador do Fórum Refúgio, sublinha ao PÚBLICO que a desvalorização do trabalho deste grupo fez com que “não levassem a sério” os alertas. Mas neste momento vinca: o importante é focar no futuro “para que esta realidade não se repita”. Estão a fazer um diagnóstico da situação e um levantamento das necessidades. Independentemente dos alertas, o objectivo não é ir “contra ninguém”. “O CPR é a entidade que mais experiência tem no terreno. Não é altura de culpar ninguém.”

Responsabilidade pulverizada

O CPR tem, de facto, estado no centro das críticas. Há dias, Mónica Farinha, presidente da direcção do CPR, comentou ao PÚBLICO que as condições onde as pessoas estão alojadas “não são as ideais, mas não são desumanas”. “Por isso sempre lutámos pela construção de centros de acolhimento. Os números ultrapassaram-nos. Tentámos encontrar os melhores locais e mais adequados. Não é realista pensar em espaços onde não há partilha.”  

Segundo o CPR, os pedidos aumentaram quase 300% entre 2014 (de 442 pedidos) para 2019 (1716 pedidos). O apoio financeiro dado pelo SEF ao CPR, desde 2017 até agora, ronda os 3 milhões de euros, segundo o MAI.

Há cerca de 800 requerentes de asilo e de protecção internacional que o CPR referiu estarem alojados em hostels e em outros alojamentos (incluem casos de quem pediu recurso). Segundo o MAI, neste momento, em hostels propriamente ditos estão cerca de 500 cidadãos à espera de resposta, espalhados por seis locais (uma fonte ligada às averiguações disse ao PÚBLICO na quarta-feira que o total seriam cerca de 20). O MAI afirma que está a ser feito um “reforço” das inspecções às condições de alojamento. 

Mas em que condições, de facto, estão estes cidadãos? E depois da quarentena na Ota, onde serão alojados? E os que não foram para a Ota? Será apenas o CPR o responsável?  

Nos últimos dias, várias têm sido as perguntas enviadas a diversas entidades pelo PÚBLICO. O SEF, o Ministério da Administração Interna (MAI), o CPR não responderam. 

O refugiados e requerentes de asilo e de protecção internacional que esperam resposta ao seu pedido estão sob alçada de várias instituições de carácter estatal, de solidariedade social ou de organizações não-governamentais (ONG). Ou seja, a responsabilidade está como que pulverizada. 

Enumerando hierarquicamente: o MAI tem responsabilidade pelos apoios até existir decisão do SEF sobre os pedidos; o CPR, enquanto ONG parceira, acolhe e apoia quem está à espera de resposta; por outro lado, a acumulação de pedidos também ocorre por causa da burocracia do SEF, que demora longos períodos a dar resposta; depois há o Ministério do Trabalho e Segurança Social a quem compete os encargos com o acolhimento depois da decisão do SEF e que pode ainda fazê-lo directamente ou através de parcerias; a Santa Casa da Misericórdia que apoia quando o pedido é recusado e há recurso; a recém-criada secretaria de Estado para a Integração e Migrações, e o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), que depende daquela secretaria, e coordena programas, projectos e dá apoio aos refugiados.  

E quando falha, quem toma as rédeas? 

Antropóloga e investigadora do CRIA do ISCTE e membro da Associação Portuguesa de Antropologia, colaboradora do Fórum e de associações de refugiados, Cristina Santinho faz investigação sobre refugiados desde 2007 e não quer entrar no registo de culpabilização. Mas afirma que grande parte da não clarificação sobre as responsabilidades deve-se ao facto de a cultura institucional em Portugal ser extremamente hierarquizada e burocratizada: todos partilham parcerias mas torna-se difícil a sua efectivação. 

Por isso apela à conciliação de esforços entre todos, até porque é “urgente” encontrar soluções. “É muito importante que estas instituições ouçam quem está no terreno e valorizem os esforços das associações porque são elas quem tem contacto privilegiado com quem está nestes locais. É essencial que lhes dêem os meios para desenvolver o seu trabalho.” 

Vinca a necessidade de prevenção e de encontrar estratégias para rastrear e recolocar as pessoas, antes de aparecer um caso, e com atenção às especificidades das pessoas que muitas vezes vêm de contextos de guerra ou de conflito, “não se pode tratar como mercadorias”. “As pessoas vão ter que sair dos hostels. Não é comportável viverem 100 e tal pessoas com uma micro-cozinha e duas casas-de-banho. Não é no limite da emergência que se vão encontrar soluções.” 

O MAI diz que está a estudar alternativas como aumentar o número de unidades hoteleiras ou apartamentos a utilizar em Lisboa e alargar a colocação destes migrantes noutras zonas do país — mas não referiu datas, nem concretizou.