Aguentem-se. A culpa foi vossa, que não lavaram as mãos

Havemos, naturalmente, de voltar a ouvir falar em crédito malparado, insolventes e sobreendividados, mas não será preciso que um especialista, ou um curso de literacia financeira, nos ajude nas contas: quando não há trabalho, nem salário, falta o pão e sobram as dívidas.

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Salvar ou deixar morrer doentes de covid-19? Ventilar ou não ventilar? Mesmo que a escolha se baseie na optimização de meios que são insuficientes, e não numa valorização de algumas pessoas em detrimento de outras, em Itália, como se pode ler aqui, os critérios desta escolha têm deixado de fora um grupo de pessoas: os velhos — ou idosos, se preferirmos a designação estatística dos que têm 65 ou mais anos. Não se pode aceitar, como dano colateral, que alguém morra num hospital público por não ter tido direito a tratamento médico adequado, no caso, a suporte respiratório. A circunstância de se ser velho ou velha, mesmo com comorbilidades, isto é, outras doenças que podem ser diabetes, asma ou hipertensão, não desagrava a questão. Antes, expõe a fragilidade dos Estados para proteger os mais vulneráveis, seja a população envelhecida de Itália ou de Espanha, a que reside em lares, em Portugal, ou a afro-americana em Milwaukee, nos Estados Unidos da América.

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Salvar ou deixar morrer doentes de covid-19? Ventilar ou não ventilar? Mesmo que a escolha se baseie na optimização de meios que são insuficientes, e não numa valorização de algumas pessoas em detrimento de outras, em Itália, como se pode ler aqui, os critérios desta escolha têm deixado de fora um grupo de pessoas: os velhos — ou idosos, se preferirmos a designação estatística dos que têm 65 ou mais anos. Não se pode aceitar, como dano colateral, que alguém morra num hospital público por não ter tido direito a tratamento médico adequado, no caso, a suporte respiratório. A circunstância de se ser velho ou velha, mesmo com comorbilidades, isto é, outras doenças que podem ser diabetes, asma ou hipertensão, não desagrava a questão. Antes, expõe a fragilidade dos Estados para proteger os mais vulneráveis, seja a população envelhecida de Itália ou de Espanha, a que reside em lares, em Portugal, ou a afro-americana em Milwaukee, nos Estados Unidos da América.

No controlo da transmissão deste novo coronavírus, uma parte da responsabilidade no “achatar da curva”, sabíamos que caberia a cada um de nós, mas outra, muito maior, caberia a quem tem capacidade de recomendação e de decisão política. As medidas que se tomam hoje não são capazes, contudo, de suprir o que se decidiu mal no passado relativamente ao investimento público, em meios e pessoas, na saúde. E o diapasão é o mesmo para todas as outras políticas públicas, da educação à cultura, passando, claro está, pela economia.

Na economia, quando é certo que a crise será devastadora, os “estímulos” animam-nos? Multiplicam-se os anúncios de apoios de milhões de euros, como aqui ou aqui, às empresas e às famílias. Resta saber como funcionarão na prática, ou seja, quando e quem terá acesso aos créditos dos bancos, e se uma moratória de meia dúzia de meses, no somatório dos juros, spreads, comissões e afins, não se transformará numa dívida de anos. E haja trabalho, que muitos prestadores de serviços e contratados a termo já não têm, e empresas que sobrevivam para que consigam pagar os empréstimos. Havemos, naturalmente, de voltar a ouvir falar em crédito malparado, insolventes e sobreendividados, mas não será preciso que um especialista, ou um curso de literacia financeira, nos ajude nas contas: quando não há trabalho, nem salário, falta o pão e sobram as dívidas.

Entretanto, foi aprovada a lei que suspende, no limite, até “à cessação das medidas de tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença covid-19”, denúncias de contratos de arrendamento, execuções de hipoteca e despejos. Muitos terão ficado, para já, aliviados, mas o que vai acontecer depois dessa “cessação” não se sabe, mas esperamos que não seja o déjà vu dos despejos, das penhoras e das entregas de casas aos bancos.

Já a Comissão Europeia segue o seu ritmo habitual na resposta a problemas comuns: primeiro, a resposta chega tarde. A carta aberta da sua presidente Ursula von der Leyen aos italianos não redime a instituição a que preside; segundo, os problemas parecem nunca ser comuns, há os problemas do Norte da Europa e os problemas do Sul da Europa, como fez questão de lembrar há poucos dias o ministro das Finanças holandês Wopke Hoekstra.

CDS, BE, Iniciativa Liberal, PAN, PEV e PCP querem mais medidas de emergência económica ou o reforço das existentes, com o PCP primeiro e, logo a seguir o BE, a lançarem plataformas para a denúncia de atropelos a direitos laborais. O Presidente da República vai pedindo à banca que agilize a concessão de crédito. Rui Rio, pelo lado do PSD, espera que os bancos não caiam na tentação de lucrar, o que será difícil, e o Livre tem em linha uma petição para que se efective o apoio, justamente, às pessoas e não aos bancos, através da atribuição de um rendimento de emergência implementado à escala europeia. No crivo moral de Hoekstra e do seu antecessor Jeroen Dijsselbloem, à escala europeia, quem desbarata dinheiro em mulheres e vinho só pode esperar “colher o que plantou”: quebra de rendimento, desemprego e, eventualmente, pobreza.

Em 2012 éramos piegas. Que não nos peçam outra vez para expiar uma culpa que não é nossa, desta vez, porventura, por não termos lavado as mãos tantas vezes quanto devíamos.