David Hockney continua a pintar contra a covid-19

Da sua casa na Normandia, o pintor inglês enviou uma carta aberta aos franceses e aos seus admiradores em todo o mundo. Aproxima-se dos 83 anos, sabe que vai morrer, mas continua a amar a vida, e a Primavera.

Foto
David Hockney, N.º 125, 19 de Março de 2020 DR

No dia 21 de Março, início da Primavera, o pintor inglês David Hockney (n. Bradford, 1937) brindou os seus concidadãos, através do jornal The Art Newspaper, com a oferta de um ramo de junquilhos (alguns chamam-lhe narcisos) desenhado no iPad na sua casa na Normandia, com o título Do remember they can’t cancel the spring (“Lembrem-se que não se pode cancelar a Primavera”).

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

No dia 21 de Março, início da Primavera, o pintor inglês David Hockney (n. Bradford, 1937) brindou os seus concidadãos, através do jornal The Art Newspaper, com a oferta de um ramo de junquilhos (alguns chamam-lhe narcisos) desenhado no iPad na sua casa na Normandia, com o título Do remember they can’t cancel the spring (“Lembrem-se que não se pode cancelar a Primavera”).

Esta quinta-feira, aquele que, perto de completar 83 anos, é visto como um dos grandes mestres da pintura mundial contemporânea escolheu dirigir-se aos franceses. Desafiado pela sua amiga e também concidadã Ruth Mackenzie, actual directora artística do Teatro de Châtelet, em Paris, Hockney escreveu uma carta aberta que foi lida pelo jornalista e crítico literário Augustin Trapenard em directo no seu programa de rádio na France Inter e também difundida nas redes sociais acrescentada de algumas das pinturas que o artista continua a fazer repetidamente, a desafiar a pandemia da covid-19.

“Desde que o vírus apareceu, ficámos confinados [na nossa casa na Normandia]. Isso não me preocupa muito, mas Jean-Pierre [Gonçalves de Lima, que o jornal Le Figaro explica ser o ‘braço direito’ do pintor) e Jonathan estão mais afectados”, escreve Hockney na carta directamente endereçada à sua “cara Ruth”.

O pintor explica que não pára de partilhar os seus desenhos com os amigos. Eles "mostram-se felizes, e isso dá-me prazer”. “Durante este tempo, o vírus, louco e incontrolável, propaga-se. Muita gente me diz que os meus desenhos lhes oferecem uma trégua nesta provação”, continua o artista, acrescentando que o seu trabalho pretende apenas testemunhar “o ciclo da vida que recomeça sempre com o início da Primavera”. “Vou prosseguir o meu trabalho, agora que percebi a sua importância. Sinto-me bem comigo, e o que tenho a fazer é pintar”, acrescenta.

David Hockey escolheu viver na Normandia no ano passado, terra para onde se mudou a partir da sua anterior residência na Califórnia. É disso que fala logo no início da carta (também) endereçada aos franceses. “Sempre sonhei poder estar a viver aqui no início da Primavera”, escreve, para depois descrever um quotidiano vivido a admirar, e a pintar, “as pereiras, macieiras, cerejeiras e ameixoeiras em flor, e também os pilriteiros e abrunheiros”, que eram as únicas árvores que ele e os seus amigos tinham no Yorkshire, na costa leste de Inglaterra, onde antes também viveu.

Hockney fala depois sobre a utilização das novas tecnologias. “Desenho no meu iPad, um medium bem mais rápido do que a pintura”, diz, e explica que já tinha experimentado a nova tecnologia há uma década atrás, mas só agora encontrou um aparelho compatível com o seu desejo de responder depressa ao apelo da (nova) natureza envolvente, e também da sua nova casa rodeada por um grande jardim. “Para um desenhador, a rapidez é a chave, mesmo se alguns desenhos podem demorar-me quatro ou cinco horas de trabalho”.

Recorda também que já expôs algumas das suas obras – que ultimamente vem intitulando apenas com números, seguidos da data de execução (por exemplo, ‘David Hockney, N.º. 139, 25 de Março de 2020, desenho sobre iPad’, como se pode ver no Le Figaro), em Setembro do ano passado, em Nova Iorque, cidade que – revela nunca o atraiu e onde nunca pôs os pés, por “ser fumador”.

E a carta, que mais do que uma carta é um manifesto de vida, termina com uma reflexão novamente sobre o tempo que estamos a viver. “Como idiotas, nós perdemos a nossa ligação com a natureza, de que somos parte plena. Tudo acabará um dia. Saberemos, entretanto, aprender alguma lição? Eu tenho [perto de] 83 anos, e vou morrer. Morremos porque nascemos. As únicas coisas que contam na vida são a comida e o amor, por esta ordem, e também o nosso pequeno cão Ruby. Acredito sinceramente nisso e, para mim, a fonte da arte está no amor”.

E David Hockney ama a vida, conclui; e isso pode ver-se nas suas novas telas digitais que enfatizam as cores brilhantes da Primavera um manifesto contra o vírus e o confinamento.