Lições de microeconomia em tempos de crise

Para que serve adiar obrigações, se o tempo em que elas estão suspensas não significa um aumento de rendimentos? Qual a vantagem em adiar o pagamento da prestação do empréstimo da casa, se depois isso se vai reflectir num agravamento dos juros que as famílias não vão conseguir pagar?

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Christian Dubovan/Unsplash

Estou longe de ser economista e tampouco tenho talento para advinha do futuro, mas quer-me parecer que as medidas propostas pelo Governo para mitigação dos efeitos do estado de emergência se baseiam numa premissa tão rara como os trevos de quatro folhas: a ideia de que as famílias portuguesas têm um fundo de maneio.

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Estou longe de ser economista e tampouco tenho talento para advinha do futuro, mas quer-me parecer que as medidas propostas pelo Governo para mitigação dos efeitos do estado de emergência se baseiam numa premissa tão rara como os trevos de quatro folhas: a ideia de que as famílias portuguesas têm um fundo de maneio.

Grande parte das medidas anunciadas pelo Governo estão baseadas em linhas de crédito. As empresas podem pedir créditos para fazer face a este período crítico (se mostrarem que tem prejuízo mesmo antes de a covid-19 ter chegado a Portugal), os senhorios podem pedir empréstimos para fazer face ao período em que os inquilinos não paguem rendas e estes, mesmo que não as paguem agora, poderão ressarcir o que é devido aos proprietários após o estado de emergência, durante os 12 meses seguintes.

Semelhante aos créditos, também o adiamento de obrigações fiscais tem data de validade conexa com estado de emergência, estando vigente por escassos meses, tanto para empresas como para particulares.

Não sendo economista, quer-me parecer que estas medidas são no mínimo inúteis para grande parte da população e empresas portuguesas. Talvez o executivo de António Costa não tenha bem a noção disto, mas há muito bom português que vive de mês a mês.

Na classe média baixa, uma família comum tem de poupar durante dois ou três meses para pagar um frigorífico novo (se o quiser pagar a pronto). Na classe média baixa, gastar mais 200 euros em arranjos inesperados no mecânico significa passar o resto do mês a fazer contas para ver se ainda chega para pagar o pacote de televisão e internet. Qual a vantagem para uma família nesta situação em adiar o pagamento de rendas? É que, à partida, quanto terminar o estado de emergência não vai haver mais dinheiro na conta. Possivelmente até haverá menos, porque alguém já foi despedido, ou está em lay-off. Para que serve adiar obrigações, se o tempo em que elas estão suspensas não significa um aumento de rendimentos? Qual a vantagem em adiar o pagamento da prestação do empréstimo da casa, se depois isso se vai reflectir num agravamento dos juros que as famílias não vão conseguir pagar?

Não sou economista, mas quase posso dizer que tenho um doutoramento em gestão do dinheiro escasso e, pela minha vasta experiência, de nada serve ao “Zé Povinho” adiar pagamentos só porque estamos em estado de emergência. Quem vive do salário mínimo vive mês a mês. E por isso a gestão é feita na mesma sequência temporal, sem “almofadas financeiras” que permitam planeamentos a longo prazo, nem margem para cativações. De que servem os títulos se depois ninguém compra a dívida?