Coronavírus: Trump estende isolamento até Maio e entra em sintonia com a ciência

Presidente norte-americano avisa que a covid-19 pode matar até 200 mil pessoas no país, mesmo com a aplicação de medidas restritivas. Uma reviravolta total desde os tempos em que desvalorizava a ameaça, há menos de um mês.

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Donald Trump e o imunologista Anthony Fauci, um dos principais responsáveis pelo combate ao coronavírus no país ALEXANDER DRAGO/Reuters

A vida nas grandes cidades dos Estados Unidos vai continuar suspensa por mais um mês e pode mesmo ser travada até aos primeiros dias de Junho, anunciou o Presidente norte-americano, Donald Trump, na noite de domingo. A decisão surge dias depois de Trump ter dito que “adoraria” ver a economia a regressar ao normal até à Páscoa, dentro de duas semanas, e carimba uma reviravolta no discurso da Casa Branca sobre as consequências do novo coronavírus no país.

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A vida nas grandes cidades dos Estados Unidos vai continuar suspensa por mais um mês e pode mesmo ser travada até aos primeiros dias de Junho, anunciou o Presidente norte-americano, Donald Trump, na noite de domingo. A decisão surge dias depois de Trump ter dito que “adoraria” ver a economia a regressar ao normal até à Páscoa, dentro de duas semanas, e carimba uma reviravolta no discurso da Casa Branca sobre as consequências do novo coronavírus no país.

“Durante este período, é muito importante que toda a gente cumpra as recomendações”, disse o Presidente norte-americano na noite de domingo, referindo-se ao plano das autoridades de saúde para travar o alastramento do vírus SARS-Cov-2 nos Estados Unidos. “Por isso, vou estender as nossas directrizes até 30 de Abril”, declarou Trump.

O plano, que inclui as recomendações à população feitas um pouco por todo o mundo, como lavar bem as mãos e só sair de casa para tarefas essenciais, foi apresentado no dia 16 de Março pelo Presidente Trump.

Com o título “15 dias para abrandar o alastramento”, o documento sugeria um cenário menos dramático do que aquele que acabaria por se verificar.

O que aconteceu nas duas semanas desde o anúncio do plano da Casa Branca e da entrada em vigor de medidas restritivas em alguns dos maiores estados do país, como a Califórnia e Nova Iorque, foi o contrário do que se poderia imaginar há dois meses, quando o Presidente Trump reagiu ao aparecimento do primeiro caso da doença covid-19 nos Estados Unidos, no estado de Washington.

Numa entrevista à CNBC durante a cimeira económica de Davos, na Suíça, a 22 de Janeiro, o Presidente norte-americano foi questionado sobre se o surto de um novo coronavírus na China fazia temer uma pandemia.

“Não, de todo. E temos a situação completamente sob controlo. Trata-se de um caso, de uma pessoa que veio da China, está tudo sob controlo. Não vamos ter problemas”, disse Trump. Na mesma entrevista, o Presidente norte-americano disse que confiava nas informações que vinham da China por aquela altura, e salientou o seu “excelente relacionamento” com o Presidente chinês, Xi Jinping.

Uma semana depois da entrevista, no início de Fevereiro, Trump decretava a proibição de grande parte dos voos originários da China – uma decisão que foi vista como insuficiente por alguns dos seus conselheiros, segundo o site Politico – ao mesmo tempo que continuava a desvalorizar a ameaça do novo coronavírus.

Comparações com a gripe

Já em Março, no dia 6, o Presidente norte-americano fez uma visita ao Centro para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), em Atlanta, no estado da Georgia, numa altura em que a grande queixa no país era a falta de testes ao novo vírus.

Por essa altura, o estado de Nova Iorque tinha 70 casos confirmados, e o vice-presidente da Câmara de Nova Iorque com o pelouro da saúde, Raul Perea-Henze, dizia que a cidade não tinha testes suficientes para responder às necessidades. Menos de um mês depois, Nova Iorque tem 60 mil casos do novo coronavírus e mil mortes, de um total de 143 mil casos e 2500 mortes em todo o país.

Na visita ao CDC, a 6 de Março, Donald Trump garantiu que havia testes suficientes para quem precisasse, um cenário que só viria a ser realidade semanas depois. Um dia antes das declarações de Trump, no dia 5 de Março, o vice-presidente dos Estados Unidos, Mike Pence, fez o ponto da situação no país por aquela altura: “Não temos testes suficientes para respondermos à procura que antecipámos vir a ter a partir de agora.”

Mas a conferência de imprensa improvisada num laboratório do CDC, marcada por repetidas comparações entre o novo coronavírus e os comuns vírus da gripe, revelou também que o Presidente Trump ainda olhava para os casos de covid-19 como uma situação sob controlo.

“Ouvi dizer que os números estão a ficar muito melhores na China e em Itália”, disse Trump, dois dias antes da explosão de casos em Itália.

Questionado sobre se preferia que os passageiros de um navio que estava parado na Califórnia fossem tratados em terra, o Presidente norte-americano disse que preferia que eles ficassem a bordo do navio para que os números nacionais pudessem manter-se estáveis.

“Não, eu gosto dos nossos números. Prefiro que os números se mantenham onde estão. Mas se eles quiserem tirá-los de lá, que os tirem”, disse Trump, referindo-se às autoridades de saúde. “Mas se isso acontecer, de repente os nossos 240 [casos] vão aumentar muito e os 11 [mortos] também vão aumentar muito.”

"Nunca vi nada como isto"

Na noite de domingo, ao anunciar que as recomendações de isolamento em todo o país vão manter-se, pelo menos, por mais um mês, o Presidente norte-americano esteve em total sintonia com os especialistas em saúde pública, com uma mensagem sem margens para se acreditar num regresso à normalidade em poucas semanas.

Longe dos tempos em que citava o número de mortes por gripe para relativizar o impacto do novo coronavírus entre a população, Trump citou os estudos que apontam para 200 mil mortes nos Estados Unidos mesmo com medidas restritivas em vigor. E mostrou-se impressionado com as imagens que saem do hospital Elmhurst, no bairro nova-iorquino de Queens, um dos mais afectados pela pandemia.

“Quando vemos os camiões a chegar para tirar de lá os corpos, camiões do tamanho do jardim da Casa Branca, perguntamo-nos o que estará naqueles sacos. É o hospital de Elmhurst, deve ser material. Mas não é material. São pessoas. Nunca vi nada como isto.”

E, num raro momento de empatia numa conferência de imprensa, o Presidente norte-americano contou o caso de um amigo que foi diagnosticado com covid-19.

“Ele é um pouco mais velho e é pesado, mas é uma pessoa forte. Fomos visitá-lo ao hospital e um dia depois estava em coma. Disseram-nos que estava em coma, inconsciente, e que não estava nada bem. A velocidade e a crueldade [do novo coronavírus], especialmente se apanhar a pessoa certa, é horrível.”