Falta-nos quase tudo

Paralelamente, fora dos hospitais, vimo-nos privados na nossa “liberdade” (seja lá o que isso for). Coisas que outrora considerávamos banais transformaram-se em utopias (pelo menos durante uns tempos). Suspiramos pela rotina, a mesma que tantas vezes amaldiçoámos ao longo dos anos.

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Paulo Pimenta

Há semanas era uma céptica. Acreditava que tínhamos problemas bem maiores do que eu achava ser uma qualquer doença causada por um qualquer vírus. Nitidamente estava enganada. E não, esta não é tão pouco uma doença só dos mais velhos ou das pessoas com comorbilidades. É uma doença de todos, facto que muitos ainda decidem ignorar. Arrepia-me ver pessoas jovens previamente saudáveis numa unidade de cuidados intensivos.

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Há semanas era uma céptica. Acreditava que tínhamos problemas bem maiores do que eu achava ser uma qualquer doença causada por um qualquer vírus. Nitidamente estava enganada. E não, esta não é tão pouco uma doença só dos mais velhos ou das pessoas com comorbilidades. É uma doença de todos, facto que muitos ainda decidem ignorar. Arrepia-me ver pessoas jovens previamente saudáveis numa unidade de cuidados intensivos.

Os hospitais reorganizam-se e criam estratégias, aguardando o pior cenário (afinal, mais vale prevenir do que remediar, e bem). No entanto, o material escasseia, nomeadamente equipamentos de protecção individual, mesmo antes da exaustão dos profissionais de saúde ou do próprio Sistema Nacional de Saúde. E, ao contrário do que é afirmado pelo senhor primeiro-ministro, falta-nos quase tudo. Certezas, poucas temos. Todos os dias surgem novos estudos científicos, alguns contradizendo-se, novas hipóteses e, com estas, novas dúvidas. Fazemos o nosso melhor.

Simultaneamente, apesar de, indubitavelmente, existirem outras prioridades (a saúde de todos nós) e não querendo parecer egoísta, o futuro do Internato Médico constitui uma preocupação para os milhares de médicos internos. Com o cancelamento da maioria da actividade programada nos demais hospitais, nomeadamente cirurgias, consultas, exames auxiliares de diagnóstico, etc., e subsequente alocação a áreas onde somos necessários (áreas essas que podem nem se enquadrar na especialidade do interno), vemo-nos agora confrontados com a impossibilidade de completar os estágios exigidos para a nossa formação. Esta era, de facto, uma medida necessária para o controlo desta pandemia, não o questiono. No entanto, a 18 de Março, o Conselho Nacional do Internato Médico emitiu uma posição, na sequência da declaração de estado de emergência, na qual defende que “o trabalho desenvolvido pelos médicos internos deve ser dirigido às necessidades assistenciais de cada instituição, sempre que assim seja possível mantendo-se os estágios planeados”. Ora, a manutenção dos mesmos é irrealista, pelo que se impõe um esclarecimento e possíveis novas recomendações e ajustes ao plano formativo, salvaguardando a qualidade do internato.

Paralelamente, fora dos hospitais, vimo-nos privados na nossa “liberdade” (seja lá o que isso for). Coisas que outrora considerávamos banais transformaram-se em utopias (pelo menos durante uns tempos). Suspiramos pela rotina, a mesma que tantas vezes amaldiçoámos ao longo dos anos.

Dávamos tudo por garantido, afinal até as pessoas “estavam sempre lá”. Nunca a palavra “saudade” fez tanto sentido como agora. Percebemos o quão importantes os outros são para nós e que, talvez, não tenhamos dito vezes suficientes o quanto gostamos delas. Não sabemos quando as voltaremos a ver, abraçar, beijar...

Talvez no futuro (que espero não ser distante), quando nos reencontrarmos, quando voltarmos a ver o pôr-do-sol na praia, a viajar, ou simplesmente, à tão monótona rotina, olharemos de forma diferente para a vida, e daremos mais valor a coisas simples. O que antes adiávamos talvez se torne na nossa prioridade. Ou talvez não. Talvez o que agora gritamos como certezas cairá no esquecimento assim que as portas das nossas casas se voltarem a abrir.