Coronavírus: o pico do surto em Portugal será antes do fim deste mês?

É possível apresentar cenários mais pessimistas ou optimistas a partir de alguns modelos matemáticos. No entanto, é preciso mais e melhor informação para prever o futuro com um maior grau de certeza.

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O Hospital de S. João, no Porto, foi o primeiro a receber um caso de um teste positivo Adriano Miranda

Há cenários mais ou menos optimistas, mas há uma coisa que todos os gráficos do mundo têm em comum: a diminuição da probabilidade de encontros (contactos) vai inevitavelmente ter um impacto drástico nos números do contágio. Ou seja, a variável do “comportamento” da comunidade é uma das mais decisivas para a evolução e dinâmica desta pandemia. Sobre Portugal, com mais ou menos certeza sobre assistirmos ao pico da epidemia até final deste mês, é óbvio que a epidemia está a crescer rapidamente.

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Há cenários mais ou menos optimistas, mas há uma coisa que todos os gráficos do mundo têm em comum: a diminuição da probabilidade de encontros (contactos) vai inevitavelmente ter um impacto drástico nos números do contágio. Ou seja, a variável do “comportamento” da comunidade é uma das mais decisivas para a evolução e dinâmica desta pandemia. Sobre Portugal, com mais ou menos certeza sobre assistirmos ao pico da epidemia até final deste mês, é óbvio que a epidemia está a crescer rapidamente.

Se tivermos em conta os dados que existem já sobre a dinâmica de transmissão e controlo do novo coronavírus na China, o pico do surto em Portugal será cerca de 20 dias após a confirmação do primeiro caso. Francisco Caramelo, investigador na Universidade de Coimbra, que tem estado a trabalhar os dados de propagação da covid-19 – com uma equipa que inclui outros dois investigadores da mesma instituição, Bárbara Oliveiros e Nuno Ferreira – afirma que é cedo para ter esses dados. “Os dados da China mostram que o pico pode surgir passado 20 dias do primeiro caso, mas sobre Portugal ainda não faço ideia. Tudo o resto que possa dizer é especular”, diz ao PÚBLICO.

O investigador nota ainda que os dados de Portugal “são novos e têm vindo a variar na forma como são divulgados e nos tempos”. Esta irregularidade faz com que seja (ainda) mais difícil fazer previsões.

Mas já se sabe alguma coisa. A equipa analisou o tempo de duplicação que corresponde ao tempo que o número de infectados demora a duplicar. “É bastante importante que as pessoas tenham consciência social e boas práticas de saúde pública (global), pois temos um tempo de duplicação muito baixo”, alerta Bárbara Oliveiras. Em Portugal, em média, a duplicação de casos acontece em 1,8 dias, sendo que na China era preciso esperar entre três e quatro dias. “Não sei se teremos, no nosso país, capacidade de dar resposta ao número de casos que vamos ter, principalmente de casos severos”, alerta a investigadora.

A equipa da Universidade de Coimbra já publicou dois trabalhos sobre a propagação da covid-19 com os dados que existem sobre o surto na China e tem um terceiro em curso especificamente sobre Portugal e a Europa. Num dos trabalhos, recorda Francisco Caramelo, foram avaliados os factores de risco e medido o risco. Confirmou-se, por exemplo, que na faixa etária entre os 60 e 70 anos o risco aumentava 18,8 vezes e que depois disso aumentava muito, num crescimento que não era linear.

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Num outro trabalho, foram analisadas as variáveis da temperatura e humidade atmosférica concluindo-se que o Verão pode não ser tão calmo como seria de esperar. “Quisemos ver se a velocidade de propagação vai diminuir com o aumento da temperatura”, explica para concluir: “Diminui, mas não de forma significativa.”

Em Aveiro, José Fernando Mendes, investigador e professor na área dos sistemas complexos do Departamento de Física da universidade daquela cidade, fez alguns cálculos “caseiros” para avaliar a situação. Há vários modelos matemáticos que podem ser usados. Eu próprio estive aqui a brincar no computador e a fazer uma simulação para Portugal”, admite. O investigador salvaguarda que usou “um modelo muito simples (conhecido na literatura científica como SIR, a sigla em inglês de Susceptível-Infectado-Recuperado), assumindo uma rede de contactos homogénea (o que na realidade não será verdade)”. E salienta: “Trata-se de uma simples demonstração da existência de um pico de infectados. Dependendo dos parâmetros introduzidos, este pode ser diminuído e alargado no tempo.”

A “brincadeira” de José Fernando Mendes aponta para um pico do surto em Portugal dentro de cerca de 15 dias. Ou seja, no final do mês. Mas os parâmetros, assume, são frágeis. “Na duração da infecção coloquei 14 dias, estou a jogar aqui com parâmetros que não tenho e que são difíceis de arranjar porque isto está a começar”, avisa, notando que “quanto mais longe se olha, maior é a incerteza”.

Recorrer aos modelos usados com o primo deste novo coronavírus, o SARS em 2003, também pode não ser uma ideia brilhante. Um artigo publicado este mês na revista Lancet conclui há diferenças “em termos de período infeccioso, transmissibilidade, gravidade clínica e extensão da disseminação da comunidade”. O mesmo artigo também sublinha que “mesmo que as medidas tradicionais de saúde pública não consigam conter completamente o surto de covid-19, elas ainda serão eficazes na redução do pico de incidência e das mortes globais”.

Para quem não é especialista em biomatemática, física, estatística, epidemiologia ou física teórica, há alguns conselhos. “Se o comum dos mortais quer ter uma ideia de como é que as coisas estão a evoluir, basta todos os dias olhar para três números: o número de infectados hoje, ontem e anteontem e ver a diferença”, diz José Fernando Mendes ao PÚBLICO. Os dados actuais (a razão é superior a 1) mostram claramente que a doença ainda está em fase de crescimento.

Em Espanha, uma equipa de investigadores da Universidade Politécnica da Catalunha anunciou na quinta-feira que os seus modelos matemáticos (baseados na curva de Gompertz) prevêem que a velocidade de contágio por covid-19 vai diminuir no prazo de dez dias e que “a situação” poderá estar controlada no final de Maio. O vírus, dizem, está a comportar-se da maneira esperada.

Os modelos matemáticos, gráficos, curvas e projecções são importantes para a tomada de decisões mas “não respondem a tudo”, salienta José Fernando Mendes que insiste que “o comportamento das pessoas, reduzir os contactos, é neste momento a acção principal”. O pico vai existir, mas com as medidas certas pode ser mais baixo e alargado no tempo e isso pode fazer toda a diferença, diz ainda o investigador que conclui: “não é a matemática que nos vai salvar”.