“Para que serve o cessar-fogo de Putin e Erdogan se as pessoas não podem voltar para casa?”

A trégua que entrou em vigor esta sexta-feira não vale nada para os 900 mil sírios obrigados a fugir por causa dos bombardeamentos de Assad, Putin e Erdogan. Não os contempla, não prevê nenhuma solução para eles.

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Murad Sezer/REUTERS

O último acordo entre a Rússia e a Turquia para limitar as possibilidades de combate em Idlib, no Noroeste da Síria, entrou em vigor, embora com alguns confrontos registados no sul da província entre forças do governo de Bashar al-Assad e rebeldes jihadistas. Mas para os civis apanhados entre múltiplos interesses geoestratégicos, estes acordos assinados entre homens poderosos não têm grande valor.

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O último acordo entre a Rússia e a Turquia para limitar as possibilidades de combate em Idlib, no Noroeste da Síria, entrou em vigor, embora com alguns confrontos registados no sul da província entre forças do governo de Bashar al-Assad e rebeldes jihadistas. Mas para os civis apanhados entre múltiplos interesses geoestratégicos, estes acordos assinados entre homens poderosos não têm grande valor.

Abu Ali é um agricultor que vive com a sua mulher e filhos numa tenda frágil num campo de refugiados pejado de destroços, em Azaz, a cerca de 35 Km de Alepo, desde que há três meses fugiram de Idlib, quando começou o bombardeamento da região, tal como cerca de um milhão de outras pessoas. Com esta campanha, Assad espera conquistar o último pedaço do país que ainda escapa ao seu controlo.

Abu Ali não tem fé nenhuma que esta trégua ponha fim ao conflito ou que seja o início do regreso a casa para a sua família. “Para que serve um cessar-fogo se as pessoas não podem voltar a casa?”, interroga. “Há um cessar-fogo e eu continuo a ser um deslocado”, disse Abu Ali, de 49 anos, encolhendo os ombros. “Posso nunca conseguir regressar a casa. De que me adianta? Ficaremos para aqui largados para o resto das nossas vidas.”

A guerra na Síria dura já há nove anos, quase contados dia por dia. Centenas de milhares de pessoas morreram – já há muito que se desistiu de fazer uma contagem precisa. Há milhões de refugiados nos países vizinhos e deslocados internos, cidades completamente devastadas.

No Noroeste do país fica o último reduto dos que não aceitam o poder de Bashar al-Assad, mas o apoio da Rússia torna inevitável, mais cedo ou mais tarde, a sua destruição – ainda que a Turquia se tenha intrometido directamente no conflito, porque tem também interesses naquela região, e apoia alguns dos grupos rebeldes contra Assad, mas menos sobre os jihadistas que efectivamente lideram a insurgência contra o Presidente sírio.

Muitos sírios estão encurralados em campos de deslocados, a dormir debaixo de oliveiras. O acordo entre o Presidente russo Vladimir Putin e o seu homólogo Recep Tayyip Erdogan pretende evitar confrontos entre as duas potências, mas não diz como é que os deslocados poderão regressar ou sequer como poderão proteger-se de um ataque aéreo.

Tal como Abu Ali, muitos temem voltar a casa sem que haja uma solução política que garanta a sua segurança. Outros recusam-se a viver de novo num sistema dominado por Assad. A maioria não tem fé que a trégua se aguente.

“O modelo Putin-Erdogan não presta”, disse Mohamad Shahabeddine, um pedreiro de 30 anos que não sabe se a sua casa ainda se mantém de pé, depois de ter fugido dos bombardeamentos aéreos há três meses. “De que nos serve se fomos obrigados a fugir, as nossas casas destruídas, e nada nos resta? Hoje vivemos em tendas. O acordo não presta e ninguém está convencido.” Reuters