Câmara de Lisboa autorizou ampliação da Fundação Champalimaud sem saber que havia solos contaminados

Obra foi embargada no fim do ano passado e a câmara diz que ninguém lhe disse que ali tinha existido uma bomba de gasolina. Deputados municipais pediram o mapeamento urgente das potenciais situações de risco.

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Fotomontagem do projecto

Foram embargadas as obras de ampliação da Fundação Champalimaud, em Pedrouços, devido ao aparecimento de solos contaminados com hidrocarbonetos. Naquele local funcionou em tempos um posto de combustível, mas o vereador do Urbanismo diz que a Câmara de Lisboa não sabia disso quando licenciou a empreitada.

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Foram embargadas as obras de ampliação da Fundação Champalimaud, em Pedrouços, devido ao aparecimento de solos contaminados com hidrocarbonetos. Naquele local funcionou em tempos um posto de combustível, mas o vereador do Urbanismo diz que a Câmara de Lisboa não sabia disso quando licenciou a empreitada.

“A câmara não tinha conhecimento da existência de um posto de combustíveis”, afirmou Ricardo Veludo esta terça-feira na assembleia municipal. O vereador disse que a zona onde está a ser construído o novo Centro Pancreático Botton-Champalimaud esteve na jurisdição do Porto de Lisboa e que o posto era usado por esta entidade. Como não sabia disso, afirmou Veludo, a autarquia “não condicionou” as obras à existência de um plano específico para descontaminação dos solos.

O assunto esteve em debate na assembleia municipal por proposta de Os Verdes e, para a deputada Cláudia Madeira, a justificação da câmara não serve. “Se desconhece esta e outras situações é porque falta um mapeamento”, criticou. Em 2017, depois de um grupo de moradores do Parque das Nações se ter queixado de maus cheiros durante uma obra de escavação, que se veio a descobrir serem provenientes de solos contaminados, a câmara comprometeu-se a fazer uma base de dados com todos os locais potencialmente contaminados, mas até agora essa informação não foi divulgada.

“Nada nos garante que os solos contaminados não estão a ser tratados como inertes e usados em novas construções”, alertou Cláudia Madeira. Segundo a revista Visão, que noticiou o caso há umas semanas, foi isso que aconteceu a uma parte das terras retiradas da Fundação Champalimaud. O embargo da obra foi determinado no fim de Dezembro pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo (CCDR), a entidade competente por fazer cumprir a legislação sobre resíduos. O PÚBLICO questionou a Fundação Champalimaud sobre o assunto, mas ainda não obteve respostas.

Na assembleia, Ricardo Veludo lembrou que “esta operação urbanística foi precedida por um pedido de informação prévia que foi sujeito a discussão pública” e que “teve pareceres positivos da Administração do Porto de Lisboa, da Agência Portuguesa do Ambiente e da CCDR”. De acordo com respostas enviadas ao PÚBLICO em Dezembro pela autarquia, “não foram registadas quaisquer participações” no âmbito da discussão pública. “Qualquer cidadão ou qualquer entidade que tivesse conhecimento da operação [do posto de combustível] podia ter suscitado essa matéria, que não é do meu conhecimento que tenha sido suscitada por alguém”, realçou Veludo.

Apesar de a autarquia não ter competências legais sobre o assunto — e de o Governo ter na gaveta, há quatro anos, uma lei específica para solos contaminados —, o Plano Director Municipal (PDM) estabelece que “é obrigatório proceder a uma avaliação da perigosidade” nas áreas onde “existam indícios de que os solos se encontram contaminados com substâncias de risco para a população e para o ambiente”. “Em caso de comprovada situação de risco é obrigatória a elaboração e execução de um plano de descontaminação dos solos e reposição da salubridade, o qual deverá anteceder qualquer intervenção urbanística”, diz ainda o PDM.

Ricardo Veludo afirmou que “já depois do licenciamento da obra”, que ocorreu no fim de Novembro, uma equipa de fiscalização da câmara esteve no local e “não foram identificados indícios” que apontassem para a existência de solos contaminados.

Na discussão, todos os deputados pediram à câmara que faça rapidamente o mapeamento dos potenciais locais contaminados. “Estamos perante factores de risco químico com metais pesados com pesadas consequências na saúde”, alertou Graciela Simões, do PCP. 

Pelo PS, Miguel Gama afirmou que “é da responsabilidade do promotor” avaliar o risco e fazer planos de descontaminação, enquanto Ricardo Moreira, do BE, apontou o dedo ao empreiteiro. “A Mota-Engil sabia das obrigações que tinha. Não teve qualquer problema em realizar ilegalidades para poupar 500 mil euros. A CCDR embargou as obras, é verdade, mas só o fez quando centenas de toneladas já tinham sido distribuídas pelos concelhos do Seixal, Barreiro, Cascais e Oeiras”, acusou.

Luís Newton, do PSD, chamou a atenção para o mapeamento incluir também os lençóis freáticos, que é “por onde a contaminação dos solos se tende a propagar”. “O que mais nos devia preocupar devia ser identificar os aquíferos”, salientou. Já Aline de Beuvink, do PPM, reforçou os pedidos repetidamente feitos por Os Verdes e pediu “uma base da cidade onde estejam os solos contaminados e respectiva perigosidade” acessível a “qualquer pessoa ou empresa”.

Ricardo Veludo disse que “a câmara encomendou uma série de estudos sobre riscos naturais e antrópicos” mas que se depara com uma dificuldade no caso dos solos contaminados: “Não podemos fazer mapeamento sem sondagens.” Assim, o método agora utilizado passa por incluir na base de dados todas as empresas cujo Código de Actividade Económica inclua produção ou utilização de resíduos. Isso tem, no entanto, um problema: até as drogarias lá vão parar.