No fundo, todos queremos ficar

Nasci graças à emigração; o meu pai do Alentejo e a minha mãe de Huambo. Somos uma família de emigrantes: a minha irmã no Reino Unido, eu em Moçambique. Crescemos com a certeza de que deveríamos fazer melhor, por nós e por eles, e, nacionalismos à parte, por um país que adoramos.

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Emigrante que é emigrante pode dispensar o Verão no Algarve, mas não passa sem o Natal em terras lusas. Independentemente da religião (somos um Estado laico, não somos?), em Dezembro todos nos cruzamos na nossa cidade natal. É verdade que vais voltar? Voltas este ano? Se calhar, vou tentar, talvez me consiga organizar.

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Emigrante que é emigrante pode dispensar o Verão no Algarve, mas não passa sem o Natal em terras lusas. Independentemente da religião (somos um Estado laico, não somos?), em Dezembro todos nos cruzamos na nossa cidade natal. É verdade que vais voltar? Voltas este ano? Se calhar, vou tentar, talvez me consiga organizar.

Emigrante que é emigrante repete-se nesta conversa. Durante o Natal, adormecemos os nossos trabalhos a quilómetros de distância e voltamos. Voltar à terra onde ainda votamos é uma redundância de diálogos, primeiramente alegres, e, na hora de voltarmos a fazer as malas, saudosistas.

Assim que chegamos há a primeira ronda dos cafés com o grupo de amigos do secundário. Entusiasmo, abraços, tens que me ir ver, tenho lá um amigo com quem jogo à bola como jogávamos, ias adorar um prato que um vizinho cozinha. Depois a voltinha, mesmo que a caminho do supermercado, a mando da mãe ou da tia (sim, nestas bandas somos todos filhos ou netos de alguém), acontece pela escola primária, o campo da bola ou nas praias para onde fugimos durante o secundário. Aqui, os sorrisos em silêncio são o estado de espírito predominante.

As festas em casas uns dos outros, as “minis”, os tremoços, as tardes na esplanada no sol de Inverno. Depois começa a aflição das coisas que temos que levar: lá não tens desta comidinha, pois não? Ir ao médico lá, nem pensar! Aposto que nem arranjas quem te faça as bainhas das calças.

O lá é indiferente. A geografia não interessa quando estamos de volta. Afinal, casa é casa, por muitas moradas que tenhamos. Crescemos privilegiados e responsáveis. Ao contrário da previsão, não somos uma geração rasca. Ao contrário da maior parte dos nossos pais, somamos canudos, línguas e viagens em terra idade. E temos a responsabilidade da nação por sermos emigrantes.

Há um sentimento de responsabilidade pelos pais que nos sossegam o coração através do Facebook ou do Whatsapp. Lá, onde quer que estejamos, até estamos bem: com amigos, rotinas saudáveis e empregos que se tornaram estáveis. Até estamos bem. Cá, deixamos o que sempre tivemos. Nasci graças à emigração; o meu pai do Alentejo e a minha mãe de Huambo. Somos uma família de emigrantes: a minha irmã no Reino Unido, eu em Moçambique. Crescemos com a certeza que de que deveríamos fazer melhor, por nós e por eles e, nacionalismos à parte, por um país que adoramos.

Nestes encontros de circunstância, surge curiosidade que não sabíamos que existia. Contamos histórias exageradas, queixamo-nos um pouco (não pode estar tudo bem, pois não?), partilhamos sonhos que nunca saíram daqui. Sabemos que, no fundo, todos queremos voltar. Não sabemos como, nem quando. Às vezes, não sabemos o porquê (se estamos lá tão bem). Só sabemos que, no fundo, todos queremos voltar.