Kamikatsu, a vila japonesa que quer atingir o desperdício zero em 2020

Em 2018, só 19% dos resíduos da vila de Kamikatsu foram parar ao incinerador. A ideia é a de sempre: separar, reduzir e reutilizar. Em 2020, quer atingir totalmente o desperdício zero, 45 categorias de reciclagem de cada vez.

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Zero Waste Academy/Facebook

Papel, plástico e vidro. Ecoponto azul, amarelo ou verde. Por cá, separar o lixo é (relativamente) fácil — e, ainda assim, inventamos desculpas para não o fazer. No Japão, há uma vila onde o lixo é separado em 45 categorias: restos de comida, metal, papel, plástico, garrafas de plástico, mobília, máquinas. O papel, por exemplo, é subdividido em jornal, cartão, cartolina, cartolina com alumínio, tubos de cartão, copos de papel e por aí em diante. Parece difícil?

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Papel, plástico e vidro. Ecoponto azul, amarelo ou verde. Por cá, separar o lixo é (relativamente) fácil — e, ainda assim, inventamos desculpas para não o fazer. No Japão, há uma vila onde o lixo é separado em 45 categorias: restos de comida, metal, papel, plástico, garrafas de plástico, mobília, máquinas. O papel, por exemplo, é subdividido em jornal, cartão, cartolina, cartolina com alumínio, tubos de cartão, copos de papel e por aí em diante. Parece difícil?

À separação meticulosa, acresce o facto de serem os próprios residentes a fazerem a divisão e, mais ainda, a levarem os resíduos para uma estação criada pelo município. O resultado: uma vila praticamente “desperdício zero” — que pretende sê-lo totalmente já em 2020.

Falamos de Kamikatsu, na ilha Shikoku, onde residem menos de 1700 pessoas. E foi há mais de 20 anos que começaram a jornada com vista ao desperdício zero. Actualmente, mais de 80% dos resíduos da vila escapam ao incinerador, mas a transformação não foi rápida, nem fácil.

Foi em 2000 que a vila teve que deixar de utilizar um dos dois incineradores, uma vez que as emissões produzidas no local eram superiores às permitidas. Apenas um incinerador não era suficiente para todo o lixo produzido, o que deixou duas opções aos residentes: enviar o lixo para outras cidades, o que era caro para uma economia tão pequena como a de Kamikatsu; ou acabar com o máximo de resíduos possível. Optaram pela segunda.

Nascia assim a Zero Waste Academy, criada por Akira Sakano, que propunha a separação do lixo em diversas categorias e, sempre que possível, a sua redução, reutilização ou reciclagem. O que iria além dos três ou quatro ecopontos a que estamos habituados. 

No total, foram criadas 45 categorias: “Ao fazermos este tipo de segregação, conseguimos ‘passar a bola’ à pessoa que está a reciclar, que vai tratar os resíduos como produtos de alta qualidade”, explica Sakano, citada num texto do Fórum Económico Mundial. A criadora da Zero Waste Academy refere que não foi fácil convencer a população — precisamente porque era esperado que os residentes lavassem os resíduos em casa e os levassem para o ponto de recolha.

“Foi uma mudança abrupta no estilo de vida das pessoas”, explica. “Muitas pessoas estavam contra o novo sistema e perguntavam por que é que tinham de ser elas a levar o lixo. Acreditavam que o município não estava a fazer o trabalho que lhe competia.” Para dissipar dúvidas, o município organizou uma série de reuniões entre a comunidade, para dialogar e explicar o sistema.

“Continuou a haver algum conflito, mas grande parte da comunidade começou a entender o contexto e a cooperar, por isso o município pôs o plano em acção.” Assim que os residentes começaram a participar, perceberam que “não era assim tão difícil”. E rapidamente começaram a aderir em peso. “Agora, temos pessoas que separam o lixo em casa em dez categorias, e fazem a separação final na estação”, conta. No final de 2018, apenas 19% do lixo teve que ser enviado para o incinerador.

Além das vantagens a nível ambiental, o projecto acabou por significar uma melhoria na vida social dos habitantes de Kamikatsu. Num país onde a população é envelhecida e isolada, a estação de recolha acabou por se tornar num ponto de encontro da comunidade.

E há mais: foi criado um ponto de upcycling, onde é dada uma nova vida aos quimonos que os residentes já não precisam. E onde são entregues objectos que estejam em bom estado, mas que os donos já não usam e querem dar a outros. Nesta loja há, por exemplo, mais de oito mil utensílios para refeições, como copos ou pratos, que substituem os itens de plástico em eventos especiais.

“Todos vêm ao ponto de recolha para, além de trazer os seus resíduos, ver se há algum objecto que lhes interesse”, aponta Sakano. “As pessoas vêem isto não apenas como um ponto de recolha, mas também como uma oportunidade para socializar com as novas gerações e conversar. Quando os visitamos [aqueles que não têm capacidade para se deslocar podem pedir para irem buscar o lixo a sua casa], preparam montes de comida e ficamos com eles durante algum tempo, para saber como estão. É quase como segurança social.”

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A loja onde são trocados itens. Zero Waste Academy

O objectivo para 2020 é chegar ao desperdício zero. Mas, para isso, é preciso que haja uma contribuição maior do sistema e das empresas. Akira Sakano acredita que é altura de começar a pressionar outros. “O nosso objectivo de 100% não pode ser atingido se as empresas continuarem a usar produtos não recicláveis”, atira. “Os produtos têm de ser desenhados para uma economia circular.” Por saber disto, a japonesa de 30 anos criou, em 2016, a Zero Waste Accreditation, que certifica lojas locais de acordo com o seu esforço no que toca ao desperdício zero.

O seu sonho é ver este projecto aplicado à escala global. Para isso, “é importante que os líderes mundiais façam o seu papel”. Que “façam a economia circular acontecer.”